
Passado o carnaval, hesitamos entre dois sentimentos: a culpa pelos exageros cometidos e a recordação do prazer experimentado. Como, frequentemente, a culpa ganha do prazer, vou argumentar em sentido contrário. Carnaval é inversão da ordem. Por isto, senhores comumente engravatados vestem saias, mulheres sisudas gargalham, ricos ou pobres fingem ser o que não são no resto do ano, pululam príncipes e princesas revelando uma nobreza inexistente na república. E, sobretudo, o corpo alegra-se, liberto das correntes de sua identidade habitual.
E por que esta inversão, mais que desejada, é essencial? Porque nos lembra que nós, os humanos, enlouquecemos quando somos obrigados a confinar nossa amplidão nos limites de uma função qualquer. Somos professores, esposas, pedreiros, médicas, jornalistas, maridos, bancários, engenheiros, costureiras, cozinheiros, mães, pais e filhos durante o ano e isto é essencial para que a vida continue sendo possível. Mas ai de nós se insistirmos em esgotar nossa humanidade em quaisquer papéis, por mais reconfortantes que sejam. Adoeceríamos. Precisamos, de quando em vez, da brecha carnavalesca que insiste em nos avisar da vastidão sem nome que nos constitui. O carnaval, quem diria, pode nos salvar. O carnaval do calendário ou os pequenos carnavais que nossa sagacidade, de repente, inventa.
Para pensar na quinzena:
“ O homem ultrapassa infinitamente o homem” (Pascal)
Ricardo Fenati
01.03.2012

Por que Verso e Reverso? É simples: porque nem sempre estamos próximos do que, efetivamente, vivemos ou, para dizer com palavras mais antigas, as coisas, as externas ou as internas, nem sempre são o que parecem. Com a linguagem o que se passa é ainda desconcertante: quando trazidas para o mundo das palavras, não raro o que vivemos perde suas cores originais e, mais ainda, costuma ser, voluntária ou involuntariamente, ocultado e quando reaparece o faz sob um disfarce quase irreconhecível. Então é isso: o Verso podendo ser enganoso, por que não nos voltarmos para o Reverso? Por que não, à maneira dos garimpeiros, confiar que o ouro que não aparece à vista está lá, à espera de nossa disposição para cavar?
A inteligência, como quase tudo o que se refere a nós, os humanos, é um exercício, se atrofia com o desuso e cresce com a prática. Conformar-se com o já pensado, contentar-se com o já dito, confere segurança, o que não é mau, mas empobrece nossas vidas, o que não é bom.
A cada quinze dias, juntos, eu e você, improvável leitor(a), teremos a oportunidade, bem acompanhados de terceiros e do que eles disseram, de examinar o Reverso para ver melhor.
Para pensar:
“Quando os deuses querem nos punir, atendem nossas preces.” (Oscar Wilde)
Ricardo Fenati
06.02.2012
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