“Vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido, com que se há de salgar? […] Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte” (Mt 5, 3-14).
No dia 6 de junho de 2025, foram finalmente divulgados os resultados do Censo de 2022 sobre pertença religiosa no Brasil. As tendências gerais, já presentes nos últimos censos, se confirmaram: os católicos, que em 2010 eram 65,1%, passaram a 56,7%; os evangélicos, que eram 21,6%, passaram a 26,9%; os sem religião, que eram 7,9%, passaram a 9,3%. Com relação ao resultado desses três principais segmentos, as “surpresas”, segundo algumas análises, dizem respeito ao “ritmo”: mais lento, com relação à diminuição de católicos e ao aumento dos evangélicos. Algumas análises também colocaram em destaque o crescimento das religiões de matriz africana, como umbanda e candomblé, que passaram de 0,3% a 1,0%, e à redução do número de espíritas, que correspondia a 2,2% e passaram a 1,8%. Outros dados também foram destacados: o perfil mais jovem dos evangélicos com relação aos católicos, a maior representação masculina dentre os que se declaram sem religião (56,2%), o nível de instrução maior dentre os que pertencem ao espiritismo (48% com nível superior completo). Outros dados, como a da maior presença evangélica nos estados do Norte, do Centro e do Sudeste do país, e a de católicos em alguns estados do Nordeste, do Sudeste e do Sul, e o da maior presença evangélica entre “pretos e pardos”, reiteram os números do censo de 2010.
Os dados estatísticos, com a variedade de informações, relacionadas a idade, cor, gênero, renda e instrução, dentre outros, darão origem a diversas abordagens, como as da geografia, da antropologia, da educação, da sociologia e das ciências da religião. A teologia também precisa se debruçar sobre esses dados, perguntando-se não somente sobre os ritmos de crescimento ou de decrescimento de uma confissão religiosa, mas também sobre o que eles revelam. O mundo católico, que durante séculos determinou grande parte das pertenças religiosas do país, também precisa se perguntar sobre o significado desses dados.
Diante dos “números” do Censo de 2022, o mundo católico pode experimentar duas reações: alívio e desânimo. Alívio, porque as previsões, que anunciavam uma redução maior, não se comprovaram e a queda do número de católicos foi menor do que na década anterior: 8,4% entre 2010 e 2022 em comparação com 9% entre 2000 e 2010. Desânimo porque parece que a Igreja não está sabendo propor a fé para a cultura plural e fragmentada que está em constante mutação na atualidade, vendo não só seu “rebanho” diminuir, mas também envelhecer. Essas duas reações não conseguem, porém, dar conta do fenômeno e não o tomam como o que o Concílio Vaticano II denominou de “sinais dos tempos”. Não seriam as duas atitudes expressão de um “derrotismo” e de uma incapacidade de ler o que os números revelam? De fato, o “alívio” não é justificável, pois a queda entre 2010 e 2022, embora menos intensa, é impressionante. Ela pode sim ser o sinal de que o que a Igreja propõe não só não atrai os fiéis, mas também não os fideliza a uma pertença e identidade. Por sua vez, o desânimo, mais que buscar uma real compreensão do fenômeno, atesta a incapacidade de propor a fé para uma sociedade e cultura que, mesmo conhecendo um número significativo de pessoas que não pertencem a nenhuma religião, ainda é religiosa.
Muitas análises da pertença religiosa no Brasil recorrem ao paradigma da secularização, criado na Europa a partir do iluminismo, para, inicialmente pensar a separação entre Igreja e Estado, e que depois foi sendo afinado para pensar a religião em sociedades para as quais a religião havia se tornado secundária ou sem relevância para dar sentido à existência. Recorrer a esse paradigma não parece, porém, o caminho mais adequado para se pensar a situação de um país no qual a religião ainda é significativa para mais de 90% de sua população. Para se pensar do ponto de vista teológico os “números” do Censo de 2022, sem negar as contribuições do paradigma da secularização, o mais importante, talvez, seria se perguntar sobre o lugar da religião numa sociedade ainda religiosa, mesmo que a maneira de se compreender a religião já seja marcada pelo lugar do indivíduo no ato de interpretação.
Dar-se conta da irrupção do indivíduo e do pluralismo, de opiniões, de convicções e de valores, é o primeiro passo para se pensar os “números” do Censo de 2022. Essa questão já emergiu de diferentes maneiras no âmbito da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Ela também esteve nos debates da V Conferência do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), em 2007, em Aparecida. As orientações de ação que daí emergiram não conseguiram, porém, oferecer pistas que tornassem o catolicismo uma resposta às demandas do indivíduo que tem surgido das mudanças sociais e culturais profundas em curso no país. Isso pode alimentar o desânimo ou a busca de soluções que na verdade não são soluções. O Papa Francisco, durante todo o seu pontificado, buscou oferecer pistas que levavam em consideração a diversidade de horizontes a partir dos quais pensar e propor a fé na atualidade. Ao mesmo tempo em que ele convidava a Igreja a mostrar que o evangelho é uma proposta de vida que traz alegria e realiza profundamente a existência em suas buscas mais profundas, mostrava que a plenitude que dele emanava implicava os demais. Seu chamado para que a Igreja saísse da pastoral da manutenção e assumisse uma perspectiva de “Igreja em saída”, sobretudo rumo às periferias geográficas e existenciais, não parece, de fato, ter se tornado uma prática da Igreja do Brasil, que não tem a agilidade suficiente para responder às demandas de quem se encontra justamente nessas periferias, que continuam deixando a Igreja, buscando na proposta evangélica respostas às suas questões ou simplesmente não mais buscando nas religiões as respostas para suas demandas de sentido.
Além de questionar a pastoral da Igreja, pois mostram que ela não tem conseguido frear a perda de fiéis, os “números” do Censo de 2022 levantam questões ao mundo evangélico e ao grupo crescente dos que se declaram “sem religião”. Com relação aos evangélicos, algumas análises apontam para o excesso de politização presente em seu meio, através de suas lideranças, com forte exposição midiática, que nem sempre corresponde ao que muitos buscam na religião. Outras leituras evocam os escândalos envolvendo certas lideranças, sobretudo relacionadas ao uso dos recursos obtidos dos fiéis. Com relação ao crescimento contínuo dos “sem religião”, sobretudo no meio juvenil, as análises propostas vão em diversas direções: algumas apontam para a mobilidade enorme que existe no campo religioso, que faz com que após uma grande experimentação muitos acreditem que o importante é trilhar um caminho próprio, não necessariamente feito de pertencimento a uma comunidade de fé, mas de usos e reusos de expressões diversas das práticas oferecidas pelas várias crenças, elaborando a própria religiosidade, privada. Outras sinalizam para a emergência, enfim, do processo de secularização entre as pessoas que assim se autodeclaram, uma vez que a não participação em comunidades religiosas conduz aos poucos à perda do referencial religioso e à elaboração de um sentido que não é mais religioso.
Para além dessas primeiras leituras e análises, o que importa para a teologia é deixar-se interrogar pelo que os números dizem, não tanto em busca de propor algo que possa frear sua redução ou fazer aumentar seu crescimento, mas em vista de se perguntar por que certas expressões do crer não mais parecem significativos e relevantes para a sociedade atual, ou seja, até que ponto a fé cristã, evangélica ou católica, ainda dá sentido e tem relevância para a sociedade brasileira? Como a teologia tem ajudado a pensar esta situação?
Geraldo Luiz De Mori SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.
Artigo postado no site da FAJE em 12.06.2025
Custa-nos muito deixar ir. Encontrar espaço para o vazio que fica depois do que nos deixa. Dos que nos deixam.
Lemos muitas frases e textos sobre o assunto. Quem escreve parece assumir que é a única opção que nos sobra para viver mais em paz e mais feliz. Mas como é que se deixa partir? Como é que se deixa ir, por exemplo, alguém que já não está neste plano terreno? Ou como é que se deixa ir alguém que amávamos e de quem nos tivemos de separar?
A vida não se compadece das linearidades dos livros de autoajuda. Não nos entrega livro de instruções nem manual de procedimentos. Ainda assim, somos chamados a navegar tudo o que nos entrega a cada dia como se soubéssemos tudo. Como se tivéssemos de saber tudo.
Deixar ir não é sobre forçar o processo. Não é sobre um mero desprendimento. Deixar ir é filtrar. É perceber a partir de onde é que eu posso largar um bocadinho deste ou daquele peso para que não seja tão insuportável. Deixar ir não é algo que se possa fazer de um dia para o outro. É um convite a viver de outra maneira. Ter a coragem para olhar, mas sei nos determos profundamente onde já não há espaço para o fruto ou para os frutos.
É sobre perceber que há fragmentos de dor de que podemos abdicar, ainda que não nos seja possível abdicar de tudo. A dor tem um papel relevantíssimo na nossa vida. Traz-nos a consciência de que tudo é um sopro; de que devemos cuidar melhor dos que são nossos e dos que têm fragmentos do nosso coração dentro do seu; de que a presença no aqui e agora nos traz ao único lugar onde podemos estar.
Deixar ir não é coisa que se peça. Ou que se diga a alguém para fazer. É um processo teu. De ti para ti. E ninguém tem nada que ver com isso. Há quem demore uma vida a fazer um luto e há quem se recupere mais rapidamente. Todos os processos são válidos de acordo com a história de cada um.
Deixar ir é coisa para se fazer durante a vida toda. Com a mestria de quem sabe que não sabe nada.
Com a mestria de quem quer entregar-se apesar ao que a vida der apesar do pouco que sabe.
Deixar ir. No tempo de cada um e no tempo que cada um precisar e quiser.
Marta Arrais
In: imissio.net 4.06.2025
Renascer, permite-nos passar a percecionar a vida com todas as suas variações. Os contrastes que fazem de nós perfeitamente humanos.
Os 12 anos de pontificado do Papa Francisco ficarão, com certeza, marcados na nossa memória afetiva e intelectiva, por tudo o que ele nos marcou com seu carisma pessoal de pastor que sempre buscou se aproximar das suas ovelhas e de não deixar ninguém de fora do rebanho de Cristo, como também por meio dos seus ensinamentos, caracterizados por uma forte teologia e espiritualidade do encontro, da escuta e do discernimento.
Contudo, tendo chegado aos 67 anos de vida consagrada como membro da Companhia de Jesus, não é de admirar que durante os seus 12 anos de pontificado, muito do que o Papa nos comunicou com gestos e com palavras tenha origem na espiritualidade dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola. De fato, é possível identificar no jeito como Francisco viveu o seu pontificado alguns traços marcantes da espiritualidade inaciana. Ele mesmo fez questão de ressaltar isso em julho de 2013, no voo de volta da viagem que fizera ao Rio de Janeiro para a Jornada Mundial da Juventude, quando perguntado se ainda se sentia jesuíta como Papa, assim respondeu: “Eu me sinto jesuíta na minha espiritualidade, na espiritualidade dos Exercícios, a espiritualidade que eu tenho no coração”.
Mas, como reconhecer no pontificado do Papa Francisco esse carisma inaciano? Para responder a esta pergunta eu destacaria três características centrais deixadas por Santo Inácio em seus Exercícios Espirituais, que moldaram a espiritualidade e o carisma dos jesuítas e que acompanharam Francisco diariamente na sua experiência de Deus e na sua missão como bispo de Roma e sucessor de Pedro.
A primeira característica é a de sentir-se chamado a ser um “contemplativo na ação”, expressão criada por Jerônimo Nadal, um dos primeiros jesuítas e estreito colaborador de Santo Inácio em Roma. Isto significa que, para um jesuíta (e todo inaciano ou inaciana) existe uma harmonia total entre a vida espiritual e a vida apostólica, pois em tudo aquilo que fazemos e em qualquer ambiente onde estivermos podemos (e devemos) buscar e encontrar a Deus, ou seja, não apenas nos momentos formais de oração ou no interior dos templos ou conventos. Isso faz com que seja o Espírito de Cristo a guiar tudo aquilo que faço ao longo do meu dia, para que se cumpra a vontade de Deus na minha ação apostólica. E, por outro lado, permite que o meu ministério e serviço não seja um mero ativismo ou rotina profissional, mas seja fruto da minha oração, como um encontro íntimo com o Senhor que não me fecha em mim mesmo, mas abre sempre para a missão e para os demais.
Ora, não temos dúvidas do quanto o Papa Francisco souber viver e ensinar essa necessária harmonia entre oração e ação, tendo sido ele mesmo um grande “contemplativo”, alguém que deu sempre um profundo testemunho do valor da oração e da vida espiritual, mas sem jamais abandonar a vida de serviço a Deus e ao próximo. De fato, ele mesmo em uma de suas catequeses alertou que “alguns mestres de espiritualidade do passado compreenderam a contemplação em oposição à ação, e exaltaram aquelas vocações que fogem do mundo e dos seus problemas, a fim de se dedicarem inteiramente à oração. Na realidade, em Jesus Cristo, na sua pessoa e no Evangelho não há oposição entre a contemplação e a ação, não. No Evangelho, em Jesus não há contradição” (Catequese – 32. A oração contemplativa).
A segunda característica da espiritualidade que os membros da Companhia de Jesus buscam viver, como vimos o Papa Francisco fazer ao longo da sua vida, tem a ver com a nossa postura no mundo e no modo de viver a nossa fé e espiritualidade cristã de forma encarnada e em constante relação e diálogo com a realidade, com as diferentes culturas e com todas as criaturas que conosco habitam a mesma casa comum, que é o nosso planeta. De fato, nos Exercícios Espirituais meditamos e contemplamos a criação divina como obra do amor que Deus para com cada uma de suas criaturas, de modo muito especial o ser humano. E, quando pelo pecado pessoal e estrutural essa criação é ameaçada e destruída, afastando-se do plano divino, meditamos e contemplamos como a Santíssima Trindade resolve enviar ao mundo o Redentor, não para condenar, mas para salvar o mundo, por meio de Jesus, caminho, verdade e vida.
Desse modo, quando vemos a preocupação que teve o Papa pelas criaturas de Deus, ao escrever uma encíclica (Laudato Si’ – 2015) nos chamando a atenção para a necessidade de cultivarmos uma ecologia integral, que cuide melhor de tudo aquilo que Deus criou e nos chama a uma mudança de hábitos e uma verdadeira “conversão ecológica” para assegurar às futuras gerações um mundo melhor, ele certamente estava expressando uma espiritualidade que não nos deixa indiferente ao que se passa ao nosso redor e com os nossos semelhantes e outras criaturas de Deus, pois nos Exercícios inacianos rezamos que Cristo deseja ter colaboradores que o ajudem em sua missão redentora e salvífica, o que implica também viver uma espiritualidade que se preocupe com a dimensão ambiental, social, política, cultural e cotidiana da vida, já que em tudo isso o Espírito de Cristo age. Da mesma forma, Francisco mostrou a fonte inaciana da sua espiritualidade quando escreveu “Fratelli Tutti”, encíclica que nos recorda que somos todos irmãos e, portanto, temos que ter cuidado pelo outro, como queria Santo Inácio que fosse as relações fraternas nas comunidades jesuítas, chamando a seus membros de “amigos no Senhor” e levando-os a praticar a solidariedade e a justiça do Reino em favor dos que sofrem injustiças e abandono.
Finalmente, a terceira característica marcante do carisma inaciano que facilmente identificamos na vida e na mensagem do Papa Francisco foi o de sempre ter buscado o “discernimento” espiritual em tudo o que fazia e em todas as decisões que tomava. De fato, este é um dos maiores dons deixado pelos Exercícios Espirituais, não apenas para os membros da Companhia de Jesus, mas para todos os cristãos. Como afirmou o superior geral dos jesuítas, Pe. Arturo Sosa, SJ, “os Exercícios Espirituais Inacianos são um tipo de escola do discernimento. Seguindo os Exercícios Espirituais, toda pessoa pode ser ajudada a escutar a voz de Deus chamando a totalidade da vida humana a decidir pelo seguimento dessa voz – para fazer uma escolha”.
Se observarmos bem, todo o pontificado de Francisco foi uma constante escola de discernimento apostólico e eclesial, como se verificou recentemente com o Sínodo da sinodalidade, cujo tema foi Por uma Igreja Sinodal: Comunhão, Participação e Missão. Tendo participado da comissão de espiritualidade de preparação ao sínodo e, posteriormente, das duas sessões da assembleia sinodal em outubro de 2023 e 2024, pude perceber claramente o desejo do Papa de que nós nos puséssemos em um caminho de reflexão no qual todos as vocações da Igreja — leiga, religiosa, sacerdotal, diaconal — se sentissem chamadas a participar ativamente, escutando-se mutuamente e discernindo a voz do Espírito Santo falando por meio de todos os batizados e batizadas.
Muitas outras características do modo de ser, de pensar e de agir do Papa Francisco poderiam ser identificadas como oriundas das fontes inacianas dos Exercícios Espirituais, que ele conheceu desde cedo na sua formação jesuítica e que procurou viver até o fim da sua vida terrena, agora chegada ao fim. Que neste momento em que ele nos deixa, seja esse legado espiritual que nos deixa, um tesouro que saibamos preservar e aumentar, como Igreja verdadeiramente discípula, missionária e sinodal.
Pe. Adelson Araújo dos Santos SJ
Sacerdote jesuíta, brasileiro, professor da Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma
In: redeservir.com.br
O amor começa por se prometer, para que depois se vá cumprindo. Para tal, muitas vezes implica sofrer. Nesse ponto, o que importa não será nunca a dor, por maior que seja, mas o amor que lhe dá sentido.
A nossa existência será sempre absurda se escolhermos não definir um destino e um caminho para o alcançar. Depois, ainda que com muitas quedas, mudanças de planos e por mais cansaço que se sinta, a vida será sempre para avançar. Mais do que mudar – o que é essencial – viver é continuar. Apesar de tudo.
A vida chega-nos como um dos frutos do amor dos nossos pais, dos seus pais e assim por diante. Podemos julgar que somos fruto de um conjunto sem fim de acasos, ou compreender que talvez haja sentidos para além daqueles que conseguimos entender neste mundo.
Recebemos essa vida, cabe-nos depois tratar de a viver bem. O maior de todos os perigos desta viagem entre o nascimento e a morte é a falta de amor. A vida não é para si mesma, só se vive para fora. Nenhuma vida vive só. Amar é o princípio mais radical de qualquer vida. Viver é dar-se, existir num mundo e para o que nele existe.
O amor dá vida e a vida ama quem ama e quem a ama.
O final deste mundo corresponde ao começo de outro. O que levamos connosco? O que fomos capazes de dar. Todo o bem que fizemos chegar à vida daqueles com quem nos cruzámos. Mais ainda, todos os sacrifícios e sofrimentos de que fomos capazes para que assim fosse.
Esta vida é breve, importa viver devagar e com profundidade, alongando e engrandecendo os dias. Num dia cabe mais do que uma vida. Tratemos de aproveitar cada hora. Amando.
A minha vida não é nem minha nem para mim.
Ama. E se tiveres de sofrer, sofre. E se tiveres de entregar a tua própria vida a fim de que o amor se cumpra… fá-lo. Porque entregando o teu tempo neste mundo conquistarás a eternidade.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 25.04.2025
Desde que soube da morte de Francisco fui tomado por uma misteriosa tristeza. O sentimento era diferente daquele que senti outras vezes, quando alguém famoso a quem admirava havia falecido. Com Francisco, a sensação era de que havia perdido um amigo. Ao longo do dia, acompanhei na TV e nas redes sociais diversas manifestações de afeto. Em uma delas, alguém expressava que embora nunca tivesse estado com o Papa, sentia como se tivesse perdido um parente próximo, alguém íntimo, “de casa”.
Francisco ficará lembrado na História por muitas de suas realizações. Poderia citar o seu compromisso com a promoção de uma cultura de paz, com o diálogo inter-religioso, com a proteção do meio ambiente, dos refugiados e dos mais pobres. Ou, ainda, as suas contribuições teológicas por meio de suas encíclicas, exortações pastorais ou outros documentos em que ele nos convida a olhar para os desafios do nosso tempo e nos lembra da nossa missão como “igreja em saída”, que não se encastela, mas, pelo contrário, busca o encontro. Uma igreja que fala e ouve.
Daqui a alguns séculos, quando estudarem seu pontificado, talvez sejam esses os marcos pelos quais será lembrado. Para nós, que tivemos o privilégio de vivermos no seu tempo, todos esses feitos se condensam na figura de um simpático senhor que manifestava nos seus gestos cotidianos a alegria do acolhimento fraterno. Francisco nunca quis se mostrar diferente ou acima de nós, mas sim um entre nós.
Brincava e sorria sempre. Quando perguntaram sobre o fato de ser argentino ser um problema para nós brasileiros, dada a nossa histórica rivalidade no futebol que ele tanto amava, respondeu com bom humor que o papa era argentino, mas Deus brasileiro. Estava resolvido. A gente se sentia próximo de Francisco, ou Chiquinho (ouvi alguém dizer).
No seu testamento, mais um testemunho de quem foi. Quis que seu túmulo fosse simples, sem referência às honrarias que merecidamente recebeu em vida. Na lápide, apenas: Francisco. Um papa, um sacerdote, um amigo se vai. Sentiremos sua falta!
Marco Túlio de Sousa
Pesquisador e coordenador do Grupo de Estudos em Comunicação Católica do Centro Loyola de BH
Aproximamo-nos da Páscoa. O sol apareceu e traz-nos também esta promessa de renascimento, de novidade, de haver condições para inaugurar uma vida diferente.
Mas, para viver o novo temos de saber honrar o “velho”. Para viver momentos novos, é preciso ter aprendido com os momentos que vieram antes, e que podem até nem ter sido incríveis ou bons.
Temos a tentação de viver cada dia como se pudéssemos começar tudo de novo, sem olhar para trás. No entanto, e mesmo que sintamos que estamos a avançar, haverá um momento em que seremos obrigados a olhar (e a ver!) aquilo que ficou nas nossas costas e que podemos não ter conseguido sentir (por ser demasiado naquele momento).
Claro que todos os dias nos é dada uma nova oportunidade, enquanto estivermos neste plano da vida. E isso é incrível. Mas os novos dias não trazem apenas uma página em branco. Trazem consigo o que foi vivido antes. O que foi visto antes. O que não foi processado. O que não foi aceite e o que não foi curado.
Somos chamados a viver a Páscoa novamente. Mas também somos chamados a enfrentar o deserto que a precede. E não pode haver Páscoa sem deserto. Não pode existir a Vida sem a Morte. Não pode haver renascimento sem haver renúncia. Seria perfeito se pudéssemos sempre ter o melhor “de todos os mundos”. De todas as perspetivas. Mas não é isso que nos fará crescer ou aprender.
Antes de nos permitirmos celebrar o renascimento que se aproxima (e que a chegada da Primavera também nos traz), talvez valha a pena refletir sobre as perguntas seguintes:
Que deserto estou a atravessar e que companhia preciso para o fazer?
Que desafios tenho arrastado às costas e que preciso de libertar de uma vez?
Que pesos preciso de entregar antes de poder abraçar a leveza que se aproxima?
Se soubermos e nos dispusermos a responder de forma sincera e honesta, talvez nos seja mais fácil viver este tempo de deserto. E talvez seja mais plena a vivência de “nova vida” que se aproxima para cada um de nós.
O deserto não é uma coisa má.
É uma vivência necessária. É um processo inevitável. Se nos permitirmos vivê-lo, talvez a luz que está para se reacender possa encontrar morada em nós para sempre.
Marta Arrais
In: imissio.net 9.04.25
Entre tantos outros motivos, basta os três citados acima para eu iniciar esta reflexão como matéria para sua participação penitencial do grande Jubileu 2025. Aliás, tenho em mente em cada nova crônica deste ano abrir um espaço, ao final, para apresentar algumas manchetes sobre a caminhada jubilar. E por uma feliz ‘teocidência’ nós aqui no Brasil teremos uma razão bem forte para acreditar que o movimento da tradicional Campanha da Fraternidade (CF), já em curso desde sua preparação próxima, vá se unir bastante bem ao Jubileu da Esperança. Penso que isso não será tão difícil de ser conseguido, ao menos teoricamente. A CF 2025 propõe o tema para ser vivido nas paróquias e dioceses brasileiras: “Fraternidade e Ecologia Integral”, que está muito bem fundamentada no lema original: “Deus viu que tudo era muito bom”, de Gn 1,31).
Em termos de preparação eclesial latino-americana, é gratificante saber que, nos dias 17 e 18 de fevereiro últimos, as presidências da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) e da Rede Eclesial para a América Latina e o Caribe (SELACC) reuniram-se em Brasília, pensando e organizando estratégias eclesiais sobre a COP 30. Por ocasião do Encontro, o cientista e professor Jackson Matos, da Universidade Federal do Oeste do Pará, fazia uma advertência muito realista aos bispos. Eis uma de suas afirmações: “[…] os avanços com estas Conferências (trata-se das COPS) são muito pouco transformados em ações concretas, ações de verdade. Então a COP 30, não tem como não dizer que é a nossa última chance, por ser em Belém, por ser na Amazônia e aí ter a possibilidade desta voz local. Se não houver esta perspectiva desta mudança, de que todo o mundo se conscientize e isso se transforme em políticas públicas, não vai adiantar nada”.
Ainda bem que a Igreja Latino-americana tenha se colocado na contramão do que parece acontecer nas esferas governamentais de alguns países. Basta lembrar o exemplo do que vem acontecendo no nosso país. O Observatório do Clima, órgão governamental que ajuíza tecnicamente como as coisas andam por este nosso vasto país quanto aos cuidados ecológicos, emitiu nas últimas semanas uma afirmação preocupante: ” […] A nove meses da COP 30, o Brasil dobra a aposta na expansão de petróleo na contramão de seu próprio compromisso com a missão 1,5 graus C, tentativa de promover a meta assumida no Acordo de Paris”. É que dias antes, o presidente Lula, em declaração destemperada, havia criticado a maneira como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA) está analisando a possibilidade de extração de petróleo na Amazônia… O presidente terá suas razões pessoais, mas nem um pouco de cunho sociopolíticas. Contudo, nada pode ir contra o que é técnico e científico. E, neste ponto, é bom que saiba que saiu nesta última semana um documento coletivo com mais de 100 assinaturas, até o momento, contrárias à exploração. Foi o Instituto Humanitas que divulgou o documento, em coleta de novas assinaturas.
A seguir, apresento dois fenômenos a serem considerados quando se fala e se pensa em ecologia. Entre tantos outros de menor impacto, escolhi o desmatamento e o aquecimento climático para que sirvam de motivações internas e externas de conversão nesta quaresma já às portas. Será também uma homenagem minha e nossa aos dez anos da LS, ou seja, conversão pessoal à “ecologia integral” de Francisco (LS números 137-155).
# O 1º. Fenômeno, do desmatamento, fica bem claro com o exemplo da nossa Mata Atlântica. Veja por que, me levou a pensar, quando li a análise de um especialista: “[…] A mata Atlântica está perdendo florestas maduras que abrigam uma rica biodiversidade e desempenham papéis fundamentais no equilíbrio climático e na segurança hídrica do país”. A afirmação é de Luis Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, ao jornal O Globo do Rio. Um outro professor de ecologia Jean Paul Metzger, ainda acentua que “… o estudo (a USP está fazendo um estudo sobre a questão) mostra que o desmatamento ocorre para a criação de pastagem, que é para a criação de gado de forma mais extensiva que gera uma renda baixa. Não faz sentido perder uma floresta tão valiosa para colocar pasto“. É o mínimo que se possa dizer, em bom tom, a todos os fazendeiros gananciosos que se esquecem dos princípios mais fundamentais da Ecologia, e que garantem a preservação da vida. Esta foi-nos dada abundantemente e de forma tão gratuita pelo Criador. O salmista tem razão ao louvá-lo, quando aclama: “Que a glória de Iahweh seja sempre; que Iahweh se alegre com suas obras! Ele olha a terra e ela estremece, toca as montanhas e elas fumegam”. Leia num dos últimos salmos de louvor – Sl 104(103), 31-32.
# O 2º. fenômeno, do aquecimento global, apresento-o sem muita análise técnica em duas mensagens. Reproduzo-as muito simplesmente.
1a.) Numa reportagem já de quase 3 anos atrás, Eco Debate advertia sobre o risco que a humanidade passava se não houvesse um esforço concentrado e global para diminuir o aquecimento climático. A afirmação ecoa ainda hoje e deve ser um meio de conscientização: “[…] hoje, a principal causa para o aquecimento global é a queima de combustíveis fósseis e a emissão de gás carbônico global, ambas derivadas de atividades humanas. A queimada das florestas é outro fator que impacta muito as alterações dos ciclos normais nos ecossistemas terrestres. O gás carbônico em excesso dificulta a saída dos raios infravermelhos vindos do sol, provocando uma maior estadia deles na atmosfera e aquecendo o ambiente acima do normal… Eu posso dizer que essa clara explicação do que poderia acontecer está em sua plena execução assustadora“.
2a) Também em entrevista mais recente, o bispo Dom Vicente de Paula Ferreira, que assessora a CÁRITAS BRASILEIRA NE3 da CNBB e membro da Comissão Integração e Mineração da mesma CNBB, foi muito objetivo e claro ao apresentar o problema do aquecimento como polarizador de outras questões sobre a crise ecológica. O bispo foi convidado pela Câmara dos Vereadores de Aracaju (SE) para discorrer sobre o tema ecológico da CF 2025. Nesse contexto, deu também uma entrevista ao jornalista Cristian Goes, da qual retirei a sua resposta a uma das questões levantadas. Ao ser questionado sobre o aquecimento global ele respondeu: ” O aquecimento global é uma imagem que reúne todas as situações dos problemas que acontecem. Mas não é só o aquecimento. Mas parece que sobre ele confluem todas as nossas indagações. O aquecimento global é uma pauta que se impõe. Ele é uma resposta do nosso planeta às nossas ações humanas. Então a primeira coisa a considerar são as raízes humanas da crise ecológica… (Ela) não só é problema nosso porque nos afeta, ela é causada em muitos sentidos por nós. Esse aqui é um dos pontos do nosso drama, que é um estilo extremamente pautado por um sistema que a gente conhece, do lucro acima de tudo, do extrativismo sem limites para proteger uma minoria planetária. Esse é o nosso grande drama hoje: 1% da população global detém mais de 50% das riquezas do planeta e ainda se acelera os controles dos territórios, das reservas, do petróleo, das energias, dos alimentos…“. O entrevistador Cristian Góes publicou a sua matéria no Mangue Jornalismo, no dia 11 de fevereiro último.
Pense, medite e tente encontrar uma maneira de agir em seu ambiente, sem se sentir culpabilizada/o, antes, pelo contrário, desejosa/o por realizar pequenas ações que lhe consolem por estar entrando na tal “conversão” à Ecologia integral. O papa tem um parágrafo muito bonito na Laudato Si que exprime bem o que ele deve estar passando agora na sua doença. Com ela, eu termino as reflexões ecológicas apresentadas acima, pensando nessas palavras que são um testemunho de vida :
“Deus, que nos chama a uma generosa entrega e a
oferecer-lhe tudo, também nos dá as forças e a luz de que
necessitamos para prosseguir. No coração deste mundo, permanece
presente o Senhor da vida que tanto nos ama. Não nos abandona, não nos deixa sozinhos porque Se uniu definitivamente à nossa terra e o seu amor sempre nos leva a encontrar novos caminhos. Que Ele seja louvado!
– Laudato Si, nº. 245 –
Pe. Paulo Lisboa SJ
in: https://redeservir.com.br/algumas-consideracoes-ecologicas-do-momento/
Às vezes, tantas vezes, são as coisas simples.
Um pequeno gesto que, à primeira vista, possa parecer-nos nada, pode ser tudo para alguém.
Um abraço apertado, uma mão dada, um olhar nos olhos, um sorriso do coração, uma palavra de ternura, um silêncio de compreensão, uma companhia a amparar, um gesto de amor.
Um pequeno gesto de amor pode ser sol nos dias cinzentos, luz na escuridão, paz na tempestade.
Um pedacinho de amor, mesmo o mais pequenino, pode não mudar o mundo inteiro, mas pode mesmo, mesmo, mudar o mundo de alguém.
Esse sopro de amor pode ser o abraço que alguém precisa, o colo que lhe falta, o refúgio onde se pode curar.
O mais pequenino sinal de amor pode ser a chama da esperança a reacender-se no coração de alguém.
Gesto a gesto e pedacinho a pedacinho, às vezes, tantas vezes, mesmo sem se saber, pode-se salvar o dia de alguém, tocar a vida de alguém, fazer sorrir o coração de alguém.
E talvez isso, fazer corações sorrir, seja o sentido de tudo. E o nosso sentido também.
Daniela Barreira
In: imissio.net 17.02.2025
Mais do que sentir um vazio que está à nossa frente e dentro de nós, a saudade é um desejo tão profundo de voltar a viver o que já não é, acompanhado da certeza clara de que tal aspiração jamais se concretizará.
Mais do que um passado que ainda não passou, é um amor que nunca passará.
Mais do que uma tristeza, a saudade tem a sua raiz na alegria de se ter vivido algo de grandioso.
Talvez possamos compreender melhor a saudade se nos colocarmos diante do dilema seguinte: Desejarias conhecer e viver um grande amor com alguém que morreria cinco anos depois?
A saudade é uma fratura irreparável da alma. Um hoje imperfeito porque há nele uma falta que faz a diferença entre o tudo e o quase nada. Por vezes, junta-se a ela o arrependimento de não ter vivido tudo de uma forma diferente, tantas vezes, por não ter sabido que o tempo, como o vento, tanto nos pode embalar como destruir o que julgamos ter de mais sólido.
Mas há na saudade muita fé, porque o amor é mais forte do que o tempo, a ponto de lhe conseguir superar a lógica, ainda que sem que se compreenda como, e, assim, nos ser dado viver de novo e para sempre aquilo pelo qual hoje esperamos e desesperamos.
Quem compreende e sente comigo o meu cansaço senão aqueles que me amam? Eis a razão pela qual, no cansaço, nos sentimos muito mais sozinhos e a saudade do amor concreto, quente e vivo de outros que já não estão com a sua mão na nossa vida.
Se a memória é essencial à identidade, então a saudade é uma garantia de que não deixámos de ser quem somos. Perdê-la é perdermo-nos.
À incerteza da vida nos mares do tempo, opõe-se a saudade como uma âncora no sentido mais profundo da existência: o amor.
José Luis Nunes Martins
28.02.2025
Os abraços preenchem-nos. Dão “enchimento” emocional aos nossos contornos humanos e dão-nos sempre uma certa faísca de esperança, mesmo quando tudo parece ser caótico.
Parece-me, no entanto, que temos tido pouco tempo para abraçar e ser abraçados das maneiras certas. Abraçamos o tempo como se fosse nosso; abraçamos o dinheiro; abraçamos os lugares onde vamos; as fotografias que tiramos “para partilhar”; abraçamos o trabalho muito demoradamente e, no final do dia, já nos sobra pouca energia para abraçar as pessoas que fazem parte deste Rio Maior onde todos desaguamos diariamente.
Refletindo, ainda, sobre esta nossa capacidade de inverter o que abraçamos, seguimos pela vida como quem anda à boleia; não sabemos muito bem quem somos nem do que gostamos, mas se nos dizem para ir por aqui; ou por ali… vamos. E ousamos ir abraçando o que não é nosso, mas dos outros. O que não são as nossas verdades, mas as dos outros.
Há, ainda, uma incrível habilidade que conseguimos repetir e aprofundar (às vezes durante meses ou anos): abraçar a nossa zona de conforto. Apertamos os braços da vida à volta de uma rotina mais ou menos tranquila, mas previsível. Sabemos, exatamente, o que não é bom para nós, mas repetimos. Ignoramos. Aguentamos mais um bocadinho.
Sabemos que mais à frente pode haver uma página em branco, por estrear, com coisas novas e diferentes, mas olhamos para o mais-do-mesmo com uma certa nostalgia porque, pelo menos, aquilo já conhecíamos. Era mau, mas conhecido. Não nos fazia bem, mas também não nos deixava feridos de morte.
Quando foi que nos ensinaram a acreditar que merecemos assim tão pouco?
Quando foi que nos disseram que a zona de conforto tem de ser para sempre sob pena de se perder tudo, ou de nos perdermos?
Quando foi que nos fizeram crer que não há nada a fazer e que mais vale deixar passar o Carnaval em que o mundo desfila, enquanto abanamos a cabeça (ou a cauda?) e seguimos de cabeça baixa?
Presta atenção. Quem quer que tenha sido, enganou-te. E enganou-nos. Não é só isto, a vida. Não é só isso, a vida. Tu és muito mais e a vida também pode ser.
Marta Arrais
In: imissio.net
12.02.2025
Não sei se serei a única, mas tem-me sobrado uma sensação de não conseguir ter dias plenos. É como se a maioria das horas fossem passadas num rastilho que parece queimar demasiado depressa. Para chegar a algum lado de carro é preciso tempo, paciência e uma gestão de emoções correspondente à de um monge tibetano.
Na cidade chegamos a demorar uma hora e meia para fazer dez quilómetros. E é aqui que entra a minha (e a nossa) criatividade e exploração da dimensão do mundo dos sonhos. Os pensamentos sucedem-se:
“mas porque vim eu por aqui?” ou “devia ter ficado em casa”
Ou ainda “não devia ter vindo”; “que perda de tempo inacreditável”
E, quando chegamos finalmente ao destino, passaram-se horas, momentos de stress injustificados (mas reais) e mais umas quantas más palavras pela cabeça.
Quando foi que tudo ficou tão difícil? Quando foi que perdemos as rédeas da nossa própria vida para estarmos reféns de um tempo que não existe?
Um monge tibetano diria: se estiveste duas horas no trânsito, alegra-te. É porque tens carro.
Ainda que esta perspetiva seja quase humorística, nem sempre tem muita piada. E a sensação de não sermos realmente donos do nosso tempo adensa-se. Ou é uma reunião que se prolongou sem perspetiva de final. Ou um grupo de whatssap que se incendiou com pedidos mais ou menos sociais ou profissionais. Ou são os posts repetidos de formas diferentes pela imprensa e que teimamos em ler duzentas vezes, fazendo um scroll repetitivo e interminável.
Tudo nos adia da nossa própria realidade interna. Tudo nos afasta ainda mais uns dos outros, ainda que as interações à distância de cliques sejam mais abundantes do que a chuva dos últimos dias.
Temo-nos esquecido de nos colocar em primeiro lugar. De dizer que hoje não porque temos um compromisso connosco. De dizer não quero. Não vou. Não me apetece. Não vou querer saber. A priorização do nosso tempo e o autocuidado é visto como falta de empenho e de motivação.
Tenho vindo a deixar de me importar com o que os outros acham e pensam. E tu?
Marta Arrais
22.01.2025
in: imissio.net
Somos todos frágeis, porque todos temos limites, e não há nada de errado ou mau nisso. A fragilidade é muitas vezes confundida com ausência de valor. Mas o que é frágil não é fraco. Fraqueza é falta de qualidade.
E todos atingimos, em muitos momentos das nossas vidas, os confins das nossas forças, talentos e possibilidades. Não por sermos fracos, mas por sermos humanos. Nessas alturas não estamos a falhar. Estamos a passar por um mau bocado, pelo que precisamos e merecemos a compaixão dos outros, não a sua condenação ou abandono.
Muitas pessoas são acompanhadas apenas pela solidão, que lhes tenta abortar os sonhos. A solidão é um perigo. Tanto nos pode amassar até ficarmos dóceis, quanto nos pode magoar ao ponto de nos petrificar o coração. Umas vezes coroa-nos, outras crucifica-nos.
Precisamos de nos abrir ao outro, ir à procura de nós e, ainda que nada encontremos, não desesperar, porque o que nos salva é dar um passo, outro e outro ainda, sem deixar de nos darmos à luz e de nos abrirmos à luz.
Que cada dia me leve ao seguinte. Com esperança, fé e amor.
O amor está sempre a nascer, e não para morrer, mas sim para viver e fazer viver. Nada nasce do nada. A felicidade é um equilíbrio em que se tem os pés bem assentes na terra e o coração no alto dos céus.
Hoje, nascemos outra vez. Aceitemo-nos e cuidemos bem de nós, como recém-nascidos: frágeis, mas com valor infinito!
José Luis Nunes Martins
in: imissio.net 5.12.2024
Estamos a ser empurrados para o Natal há semanas. Luzes por todo o lado. Inaugurações a meio de novembro. O frenesim interminável dos centros comerciais com falsas promoções, falsos apelos e a simpatia a rimar muito pouco com o tão desejado espírito natalício.
É por isso que ninguém consegue viver os seus dias sossegado. Estamos sempre a ser chamados a viver num tempo que não existe: ora no passado, ora no futuro. Mas no presente (e no momento) parece que ninguém vive. Ninguém quer, sequer, saber.
Desde quando é que nos tornámos reféns deste consumismo absurdo que “inventa” festividades? Vivemos para as festividades e celebrações em si ou para o tempo que as antecede?
É que corremos o risco de chegar à véspera de Natal já sem paciência seja para o que for. Ou seja para quem for.
O problema aqui é precisamente não nos ser possível “sair” desta roda invisível em que somos colocados diariamente, apressadamente, prematuramente. Impelidos a comprar, a celebrar quando nem sempre há razões para isso, a fazer votos amorosos quando a nossa vontade não corresponde a nada do que nos é pedido.
Mesmo que sintamos que não está ao nosso alcance fugir desta imposição celebrativa, que possamos (pelo menos!) ter consciência de que é real, de que estamos a ser obrigados a viver segundo valores e princípios que nada têm que ver com os que inauguraram o Natal em si.
Numa tentativa mais ousada de não compactuar com este esquema e com este sistema assente no consumismo rápido, descartável e triste, resta-nos ter a certeza de que ainda somos os donos da nossa vida. Que ainda podemos viver segundo aquilo que faz sentido para nós e que ainda podemos decidir se queremos (ou não!) ser estes joguetes nas mãos de sabe-se lá quem.
Enquanto se acendem luzes, se inauguram instantes e se relativizam as verdadeiras prioridades, que saibamos dizer a quem nos vier com estas histórias mal contadas:
O Natal é quando eu quiser.
Marta Arrais
in: imissio.net 27.22.24
Muitos de nós passamos grande parte da nossa vida a conduzir. Ora a ir, ora no regresso. Ora em viagens de lazer, ora em viagens mais no âmbito profissional. E a verdade é que, no trânsito, parecemos (muitas vezes) pessoas diferentes. É como se o pior de nós viesse ao de cima e nos assaltasse de uma forma grotesca e descontrolada. Tenho dificuldade em compreender que espécie de fenómeno nos destaca tão afincadamente da vida aparentemente calma que levamos para nos atirar para um modo de sobrevivência tão intrincado.
Tenho assistido, tal como tantos de nós, a uma panóplia de violência gratuita, falta de respeito, insultos, manobras perigosas propositadamente operadas para enervar este ou aquele condutor. E apercebo-me de que ninguém está a salvo. É como se, também dentro de um carro, tivéssemos de nos proteger de um perigo sempre iminente onde não há zonas de segurança, cordialidade, empatia e respeito pelas regras e pela conduta exigida a qualquer condutor.
A vida é curta. Num instante perdemos tudo e somos obrigados a restruturar quem somos e o que temos. Compensará viver o dia-a-dia neste registo de violência absurdo? Onde nos leva?
A um lugar leva-nos de certeza: a compreender que a maioria de nós não está a saber lidar com a raiva que traz dentro de si, com a tristeza, com a frustração, com o desânimo e com os desafios intermináveis que todos enfrentamos diariamente.
Aquilo que, talvez, nem todos saibam é que é possível viver uma vida fora do piloto-automático. É possível gerir o que trazemos dentro sem andar a disparar rudeza em todas as direções. E essa gestão, quando aprendida, pode trazer-nos a leveza e a racionalidade que nem sempre temos quando estamos, simplesmente, a sobreviver.
Não desistas de procurar uma forma de dar nome ao que mora dentro de ti.
De integrar o que não gostas. O que não compreendes e o que gostavas que fosse diferente.
Quando assim for, ficaremos todos a ganhar.
Marta Arrais
in: imissio.net 13.11.24
Essa frase do poeta grego Píndaro (século V a.C.), retomada por Agostinho já em contexto cristão, ajuda-nos a refletir sobre o paradoxo da Boa Notícia cristã de nossa identidade de filhos e filhas de Deus: tudo já nos foi dado e a vida que esperamos é realmente uma vida nova. Toda afirmação da fé cristã – a filiação divina, entre outras – deve levar em conta essas duas dimensões. De um modo bastante sintético, o convite do poeta nos permite afirmar, ao mesmo tempo, a atualidade (“tu és”), o propósito (“torna-te”) e as contingências de nossa identidade humana – abordagem antropológica – e de nossa filiação divina – abordagem teológica e espiritual (esse “quem” que deve conjugar livremente a atualidade e o propósito).
Uma experiência compartilhada em várias situações pastorais nos permite identificar, entre nossos contemporâneos, uma profunda relação simbólica entre “ser filho/a” e “ser amado/a”. Para muitos deles, afirmar a universalidade da filiação divina equivale a reconhecer que o amor de Deus é para todos. As questões levantadas sobre o batismo de crianças vão ainda mais longe: esses bebês (e todos os outros!) já são filhos e filhas de Deus, porque esse amor é para todos antes de nossa fé pessoal, antes de nossas ações (incluindo as sacramentais) e até mesmo antes do desenvolvimento de nossa consciência humana. Afinal, não é assim o amor da mãe e do pai pelos seus filhos e filhas?
Essa sensibilidade contemporânea, reativa a qualquer possibilidade de exclusão, toca em algo essencial da Boa Nova de Jesus: o dom de Deus é gratuito e sempre primeiro. De um modo intuitivo, esta concepção de filiação corresponde a uma teologia sapiencial da criação, que busca a presença de Deus naquilo que é comum a todos. A tradição teológica, baseada nas Escrituras (cf. Gênesis, Sabedoria, Paulo), desenvolveu essa mesma intuição a partir do tema da criação do ser humano à imagem de Deus, fruto da benevolência divina. Alguns teólogos contemporâneos (cf. Rahner; Theobald; Durrwell; etc.), seguindo os passos de Irineu de Lyon, deram maior destaque em suas reflexões a essa graça da criação e sua relação com o plano salvífico divino. Um fruto importante dessa abordagem teológica é a crítica a uma compreensão excessivamente comunitarista (com seus desdobramentos institucionais) ou meritocrática (moral) da filiação divina.
Certamente, da parte de Deus, seu dom de amor é universal e gratuito. Mas, de nossa parte, como podemos receber a plenitude do que nos foi dado? Nossa humanidade, com suas limitações, pode herdar tamanha dádiva? Voltemos à experiência pastoral: nossos contemporâneos também nos dizem como é difícil aceitar a fragilidade e a fraqueza humanas. Essa dificuldade aumenta quando nos deparamos com a fragilidade de um ente querido. Os pais, por exemplo, gostariam de evitar que seus filhos experimentassem o sofrimento e a dor. Mas como podemos nos tornar seres realmente humanos sem assumir a humanidade como ela é, com as experiências que ela implica? A fé cristã reconhece em Jesus Cristo alguém que assumiu essa humanidade comum até o fim, revelando-nos nossa identidade, nosso futuro e o caminho para chegar a esta realização de nossa identidade aberta. Ao viver sua existência como um dom total, ele nos mostra que a filiação divina, esse “tornar-se quem nós somos”, envolve uma kenosis, um esvaziamento, um abaixamento.
Teólogos do passado e do presente dão a essa atitude existencial, de tipo profético, um lugar importante, sob várias formas: a pobreza radical, a desapropriação de si e a dependência filial (cf. Balthasar); o abandono de si (cf. Eckart); a capacidade de se apagar e assumir a violência dos outros sobre si (cf. Theobald); em suma, um novo relacionamento (livre) com a vida e a morte. O crescimento do dom de Deus em nós – sempre primeiro, sempre gratuito – depende de uma conversão de nossa relação com nós mesmos, com os outros, com Ele: uma conversão que nos permite receber a Vida em plenitude em nossa existência singular limitada, em nossos corpos de carne, e vivê-la como uma oferta para que os outros sejam quem são, tornando-nos assim pessoas santificadas, como o Filho unigênito do Pai.
Vemos, assim, como feliz e evangélica a rejeição de nossos contemporâneos à exclusão de qualquer pessoa da dignidade da filiação divina. Ao mesmo tempo, é importante manter a distinção entre o “primeiro” dom (criação), que torna possível nossa existência, e o “segundo” dom (divinização), que nos chama a entrar na Vida (cf. a distinção de Lacroix entre filiação e existência filial). De fato, não há amor sem liberdade. Com a tradição cristã, permaneçamos cientes da possibilidade de acolher e rejeitar (em vários níveis) o dom de Deus; mas, com Rahner, tomemos consciência de que essa acolhida ou rejeição nunca pode ser identificada em um nível meramente conceitual ou expositivo, porque elas tocam a profundidade da existência e, em última análise, habitam a misteriosa transcendência de cada ser humano, à qual somente Deus tem acesso.
Para a fé, o convite formulado no título (“torna-te”) é expresso por toda a vida de Cristo e deve ser continuamente recebido e dirigido à humanidade por sua comunidade, a Igreja. Mas ele é também, acima de tudo, uma obra do Espírito de Santidade, na intimidade de cada homem e mulher, tocados desde o momento de sua criação por um Amor que nunca deixa de chamá-los à Felicidade, à Comunhão e à Vida.
Francys Silvestrini Adão SJ
In: Palavra e presença, portal da FAJE
É um dos desafios mais difíceis nos dias que correm. Os cenários à nossa volta são dantescos. Somos raptados dos nossos dias mais ou menos pacíficos para nos depararmos com tragédias permanentes à nossa volta. Ligamos a televisão e encontramos um cardápio do absurdo: incêndios, guerras, agressões em escolas, mortes, violência, desrespeito pela vida humana.
Esta constatação do trágico que mergulha rapidamente nas nossas vidas deixa-nos impotentes. Sentimos que não podemos fazer nada para ajudar os que sofrem e que os que podem não o fazem nem se preocupam. Sentimo-nos a viver numa distopia constante onde já não conseguimos distinguir o real do imaginário. O sério do leviano. O simples do complicado. Tudo se une numa bola de caos que não queremos engolir nem digerir.
O que nos sobra então, quando nos deparamos com dias tão difíceis? Tão repletos de dor e de destruição?
Sobra-nos a certeza de só podermos fazer o que está ao nosso alcance, mesmo que nos pareça pouco.
Sobra-nos a oração que nos coloca num lugar de espera e de esperança. Num lugar de quem se quer deixar nas mãos dAquele que sabe mais (e melhor) do que nós.
Sobra-nos a coragem de viver cada dia que nos é dado da melhor maneira possível com aqueles que nos fazem companhia nestes cenários confusos.
Sobra-nos a capacidade de sentir empatia pela dor do outro e de nos conseguirmos colocar no seu lugar, aproximando-nos do seu sofrimento e da sua realidade.
Sobra-nos o viver no momento presente com moderada preocupação pelo que não está ao alcance do nosso controle.
Tudo isto parece vazio para quem vive uma tragédia ou para quem sente que perdeu tudo.
Que seja nesse vazio que nos permitamos encontrar com o nosso irmão magoado, sem esperança e sem alento.
E que desse vazio possa voltar a nascer a fé de que o amanhã há de ser um bocadinho melhor do que o hoje.
Marta Arrais
in: imissio.net. 18.09.24
Há poucos dias li uma frase que me deixou a pensar; dizia o seguinte:
“80% dos teus problemas estão no futuro… Desses, 99% nunca vão acontecer”.
A simples leitura desta frase impactou-me profundamente. Senti que muitos de nós vivem exatamente no avesso dessa frase. Vivemos a pensar, tantas vezes, nos inúmeros problemas que podem surgir a seguir. Seja num futuro próximo ou num futuro mais longínquo. E essa forma de estar no dia-a-dia acaba por nos hipotecar, realmente, o momento presente.
Afinal, se estamos a conjeturar uma série de eventuais problemas que podem nem chegar a existir, estaremos (de alguma forma) a vivê-los e a experimentá-los sem haver qualquer razão para isso.
Claro que isso não significa que devemos optar por não planejar, não prever ou antever, até porque sabemos que a vida nos brinda sempre com os mais variados imprevistos e imponderáveis. No entanto, sabemos lá nós se os problemas imaginados vão corresponder aos problemas reais? Quem sabe se enquanto nos preparamos para os problemas que criamos mentalmente, não nos despistamos mais intensamente quando nos depararmos com o problema verdadeiro?
Por todas estas razões valerá a pena construir uma voz interna que nos motive para viver no presente, com tudo aquilo que este “presente” nos oferece a cada momento.
Estar aqui e agora é um desafio tremendo nos dias que correm. Ou estamos no passado (a pensar no que foi e no quanto queríamos que tivesse sido diferente) ou estamos no futuro, a hipotecar o momento que, hoje, nos é dado a viver.
Numa altura em que tantos de nós regressamos ao trabalho e às tarefas mais automáticas, depois de um tempo de maior lazer e calma, é natural que estes problemas apareçam com uma força maior. Tanto os imaginados como os reais. No entanto, se nos comprometermos a ir vivendo um dia de cada vez, qualquer desafio poderá ser enfrentado com uma consciência maior e melhor.
Marta Arrais
11.09.24
O desânimo é um dos nossos maiores inimigos. Convence-nos de que as esperanças e as lutas para as alcançar não valem a pena. Que a noite não terá fim. Que é demasiado tarde para mudar o que quer que seja. Que o melhor é desistir…
O primeiro e mais importante sucesso do desalento é desviar-nos do nosso objetivo, fazendo-nos desacreditar nos nossos sonhos.
Que o medo não nos tome e nos faça escravos da desesperança.
Para não te perderes, é importante que decidas para onde queres ir. Que não queiras alcançar muitos destinos. Que não vás pelos caminhos dos outros ou pelos mais fáceis.
A cada dia, pode ser necessário ajustar o plano em algum ponto. Ainda que se mantenha o objetivo, temos de adaptar o percurso às circunstâncias em que nos é dado viver. Nenhum de nós controla a vida, mas somos livres de lhe responder de muitas formas.
Procura estar onde estás, porque quem quer estar em todo o lado nunca está em lado algum.
Decide-te. Escolher um caminho é dizer não a todos os outros. Nunca é demasiado tarde para mudar de destino e de caminho, mas cada passo que deres está dado, pois jamais alguém poderá desfazer ou refazer o que já foi feito.
Não deixes que o caminho te leve. Por vezes, é suposto ir por onde não há caminho!
Levanta-te e anda, sabendo que a cada dia o essencial não são os frutos que colhes, mas as sementes que lanças. Faz o que tens a fazer. Isso é muito mais valioso do que todas as consequências imediatas que tirares daí. Por melhores ou piores que sejam.
Ainda que não compreendas o porquê, levanta-te, alimenta-te, fortalece-te e anda… porque é longo o caminho que ainda tens de fazer, pelo meio de grandes desertos e, tantas vezes, por onde não há chão.
Confia. Mesmo que te sintas perdido, nunca estarás sozinho.
José Luis Nunes Martins
23.08.2024
Quando uma desgraça súbita nos surpreende, a vontade mais íntima é a de encontrar uma resposta qualquer que, com toda a força concentrada, e de uma só vez, ultrapasse a questão. Ora, isso nunca resulta, porque o bem estabelece-se devagar, como a vida.
Só com uma dinâmica que conjugue a paciência com a esperança se pode encontrar maneira de superar as tragédias da existência.
Mas o mal parece preferir atacar de forma tão lenta e subtil que quase não se dá por ele. Quando isso acontece, já costuma estar espalhado e alojado nas fundações da nossa vida. Devíamos imitar esta forma de agir!
Não queiras tudo hoje. O que a vida nos pede é muito mais do que aquilo que conseguimos fazer num só dia. Por isso, condena-se à desgraça, quem acredita que hoje consegue fazer tudo o que deve, porque não compreende que o caminho para o céu é sempre demorado e a subir!
Muita atividade não significa qualidade.
Ninguém consegue dar tudo a todos, muito menos num só dia… Quem acredita nisso ainda se castiga a si mesmo, porque julga que a culpa é sua!
É verdade que devemos extrair de cada dia tudo o que nele há, mas com a mesma força temos de fazer de cada dia um degrau, um passo, no nosso trajeto para muito mais além.
Que nas nossas guerras saibamos encontrar a paciência para suportar o que temos mesmo de sofrer, mas também a esperança para nos mantermos no rumo para longe da tempestade e perto da paz.
Não apresses a vida, chegarás de forma mais rápida onde poderás ser feliz. Talvez mesmo encontres uma forma de o ser a cada passo.
Constrói o que tens de construir, com calma e firmeza. Se tudo se desmoronar, começa de novo, com o mesmo objetivo. Muda o que tens de mudar, mas não percas tempo com revoltas nem com tentativas de soluções miraculosas.
Quando alguém estiver longe de casa, que esteja sempre a caminho dela, por maior que seja a distância. O que importa não é a velocidade, é a direção.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 16.08.2024
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