Vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido, com que se há de salgar? […] Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte” (Mt 5, 3-14).

No dia 6 de junho de 2025, foram finalmente divulgados os resultados do Censo de 2022 sobre pertença religiosa no Brasil. As tendências gerais, já presentes nos últimos censos, se confirmaram: os católicos, que em 2010 eram 65,1%, passaram a 56,7%; os evangélicos, que eram 21,6%, passaram a 26,9%; os sem religião, que eram 7,9%, passaram a 9,3%. Com relação ao resultado desses três principais segmentos, as “surpresas”, segundo algumas análises, dizem respeito ao “ritmo”: mais lento, com relação à diminuição de católicos e ao aumento dos evangélicos. Algumas análises também colocaram em destaque o crescimento das religiões de matriz africana, como umbanda e candomblé, que passaram de 0,3% a 1,0%, e à redução do número de espíritas, que correspondia a 2,2% e passaram a 1,8%. Outros dados também foram destacados: o perfil mais jovem dos evangélicos com relação aos católicos, a maior representação masculina dentre os que se declaram sem religião (56,2%), o nível de instrução maior dentre os que pertencem ao espiritismo (48% com nível superior completo). Outros dados, como a da maior presença evangélica nos estados do Norte, do Centro e do Sudeste do país, e a de católicos em alguns estados do Nordeste, do Sudeste e do Sul, e o da maior presença evangélica entre “pretos e pardos”, reiteram os números do censo de 2010.

Os dados estatísticos, com a variedade de informações, relacionadas a idade, cor, gênero, renda e instrução, dentre outros, darão origem a diversas abordagens, como as da geografia, da antropologia, da educação, da sociologia e das ciências da religião. A teologia também precisa se debruçar sobre esses dados, perguntando-se não somente sobre os ritmos de crescimento ou de decrescimento de uma confissão religiosa, mas também sobre o que eles revelam. O mundo católico, que durante séculos determinou grande parte das pertenças religiosas do país, também precisa se perguntar sobre o significado desses dados.

Diante dos “números” do Censo de 2022, o mundo católico pode experimentar duas reações: alívio e desânimo. Alívio, porque as previsões, que anunciavam uma redução maior, não se comprovaram e a queda do número de católicos foi menor do que na década anterior: 8,4% entre 2010 e 2022 em comparação com 9% entre 2000 e 2010. Desânimo porque parece que a Igreja não está sabendo propor a fé para a cultura plural e fragmentada que está em constante mutação na atualidade, vendo não só seu “rebanho” diminuir, mas também envelhecer. Essas duas reações não conseguem, porém, dar conta do fenômeno e não o tomam como o que o Concílio Vaticano II denominou de “sinais dos tempos”. Não seriam as duas atitudes expressão de um “derrotismo” e de uma incapacidade de ler o que os números revelam? De fato, o “alívio” não é justificável, pois a queda entre 2010 e 2022, embora menos intensa, é impressionante. Ela pode sim ser o sinal de que o que a Igreja propõe não só não atrai os fiéis, mas também não os fideliza a uma pertença e identidade. Por sua vez, o desânimo, mais que buscar uma real compreensão do fenômeno, atesta a incapacidade de propor a fé para uma sociedade e cultura que, mesmo conhecendo um número significativo de pessoas que não pertencem a nenhuma religião, ainda é religiosa.

Muitas análises da pertença religiosa no Brasil recorrem ao paradigma da secularização, criado na Europa a partir do iluminismo, para, inicialmente pensar a separação entre Igreja e Estado, e que depois foi sendo afinado para pensar a religião em sociedades para as quais a religião havia se tornado secundária ou sem relevância para dar sentido à existência. Recorrer a esse paradigma não parece, porém, o caminho mais adequado para se pensar a situação de um país no qual a religião ainda é significativa para mais de 90% de sua população. Para se pensar do ponto de vista teológico os “números” do Censo de 2022, sem negar as contribuições do paradigma da secularização, o mais importante, talvez, seria se perguntar sobre o lugar da religião numa sociedade ainda religiosa, mesmo que a maneira de se compreender a religião já seja marcada pelo lugar do indivíduo no ato de interpretação.

Dar-se conta da irrupção do indivíduo e do pluralismo, de opiniões, de convicções e de valores, é o primeiro passo para se pensar os “números” do Censo de 2022. Essa questão já emergiu de diferentes maneiras no âmbito da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Ela também esteve nos debates da V Conferência do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), em 2007, em Aparecida. As orientações de ação que daí emergiram não conseguiram, porém, oferecer pistas que tornassem o catolicismo uma resposta às demandas do indivíduo que tem surgido das mudanças sociais e culturais profundas em curso no país. Isso pode alimentar o desânimo ou a busca de soluções que na verdade não são soluções. O Papa Francisco, durante todo o seu pontificado, buscou oferecer pistas que levavam em consideração a diversidade de horizontes a partir dos quais pensar e propor a fé na atualidade. Ao mesmo tempo em que ele convidava a Igreja a mostrar que o evangelho é uma proposta de vida que traz alegria e realiza profundamente a existência em suas buscas mais profundas, mostrava que a plenitude que dele emanava implicava os demais. Seu chamado para que a Igreja saísse da pastoral da manutenção e assumisse uma perspectiva de “Igreja em saída”, sobretudo rumo às periferias geográficas e existenciais, não parece, de fato, ter se tornado uma prática da Igreja do Brasil, que não tem a agilidade suficiente para responder às demandas de quem se encontra justamente nessas periferias, que continuam deixando a Igreja, buscando na proposta evangélica respostas às suas questões ou simplesmente não mais buscando nas religiões as respostas para suas demandas de sentido.

Além de questionar a pastoral da Igreja, pois mostram que ela não tem conseguido frear a perda de fiéis, os “números” do Censo de 2022 levantam questões ao mundo evangélico e ao grupo crescente dos que se declaram “sem religião”. Com relação aos evangélicos, algumas análises apontam para o excesso de politização presente em seu meio, através de suas lideranças, com forte exposição midiática, que nem sempre corresponde ao que muitos buscam na religião. Outras leituras evocam os escândalos envolvendo certas lideranças, sobretudo relacionadas ao uso dos recursos obtidos dos fiéis. Com relação ao crescimento contínuo dos “sem religião”, sobretudo no meio juvenil, as análises propostas vão em diversas direções: algumas apontam para a mobilidade enorme que existe no campo religioso, que faz com que após uma grande experimentação muitos acreditem que o importante é trilhar um caminho próprio, não necessariamente feito de pertencimento a uma comunidade de fé, mas de usos e reusos de expressões diversas das práticas oferecidas pelas várias crenças, elaborando a própria religiosidade, privada. Outras sinalizam para a emergência, enfim, do processo de secularização entre as pessoas que assim se autodeclaram, uma vez que a não participação em comunidades religiosas conduz aos poucos à perda do referencial religioso e à elaboração de um sentido que não é mais religioso.

Para além dessas primeiras leituras e análises, o que importa para a teologia é deixar-se interrogar pelo que os números dizem, não tanto em busca de propor algo que possa frear sua redução ou fazer aumentar seu crescimento, mas em vista de se perguntar por que certas expressões do crer não mais parecem significativos e relevantes para a sociedade atual, ou seja, até que ponto a fé cristã, evangélica ou católica, ainda dá sentido e tem relevância para a sociedade brasileira? Como a teologia tem ajudado a pensar esta situação?

Geraldo Luiz De Mori SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.

Artigo postado no site da FAJE em 12.06.2025