Depois que minha avó morreu, em maio de 1991, sobrou para o meu avô a enorme responsabilidade de cuidar da decoração de Natal para a ceia do dia 24, que era feita todo ano na casa deles. Minha avó era uma artista: bordava, pintava e cozinhava muito bem. Certa vez, para o nosso encantamento, fez um lindo Papai Noel de pano que descia do teto carregando uma sacola de presentes. Meu avô logo reconheceu que ficava difícil disputar com ela no quesito decoração de eventos comemorativos. Por isso, em dezembro de 1991, como de costume, montou a árvore de Natal. Só que, por praticidade, ela nunca foi desfeita. A árvore ficava de dezembro a dezembro em uma mesinha ao lado do sofá de couro e, dependendo da época do ano, alguns enfeites eram provisoriamente alterados. Na Páscoa, por exemplo, os anjinhos e bolinhas de Natal davam lugar a ovinhos coloridos de chocolate. No Carnaval, longas serpentinas cobriam seus galhos e, no início de junho, era a vez das bandeirinhas coloridas, típicas das festas de São João.

Em meio a tantas mudanças, um enfeite feito por minha avó permanecia intacto, bem na ponta do galho mais alto. Em qualquer época do ano, ao olhar para a árvore de Natal, ali estava a estrela, coberta de purpurina dourada. Gosto de acreditar que essa estrela carregava um pouquinho de tudo aquilo que minha avó deixou na vida das pessoas: alegria e luz. No fim de junho de 1995, antes que meu avô tivesse tido tempo de retirar as bandeirinhas de São João, a árvore foi desfeita para sempre. Em minha caixinha de saudades, restou uma caneta de Veneza, uma rolha em formato de Saci, um pingente de flor e as lembranças de carinho e alegria por ter vivido com pessoas tão iluminadas: estrelas únicas e de brilho eterno.

 

MYRRHA, Letícia. Caminho de Mesa. São Paulo: All Print Editora, 2016.