Tempo para sentir o que o corpo quer e diz.
Tempo para andar mais devagar. Para abrandar.
Tempo para respirar fundo.
Tempo para ver melhor.
Para fechar os olhos mais vezes e conversar com a escuridão clara de os ter fechados.
Tempo para curar.
Para amar melhor e começar por dentro. Por mim.
Para devolver na medida do que foi dado e acrescentar um pouco mais.
Fazer do nada o tudo.
E do tudo o quase nada.
Tempo para meditar. Para encher o peito de ar e acreditar.
Para escrever uma carta e para acreditar nas palavras que ali nascerem.
Tempo para ver o que precisa de ser visto. Para ler o que precisa de ser lido. Para tirar os dourados do que precisa de ser observado sem cores nem artifícios.
Tempo para não ir. Para não fazer. Para não arriscar. Para não dizer.
Tempo para ficar calado. Para escolher o silêncio e a paz.
Tempo para adormecer de consciência tranquila.
Para perceber que tudo é o que tem de ser.
Que tudo vem quando é o tempo e que tudo o que sabemos é o que precisamos de saber.
Tempo para guardar a alma das coisas que a fazem pequena.
Para a preparar para as coisas pequenas que a fazem grande.
Tempo para ver tudo como se fosse a primeira vez.
Marta Arrais
In: imissio.net 24.01.24
Muitas ideias e emoções preenchem o nosso interior, mas, talvez por serem tantas, todas elas acabam por ser passageiras. Sucedem-se, como se se empurrassem umas às outras para disputar a nossa atenção. Uma turbulência caótica que cansa, sem que sequer percebamos bem o sentido de assim ser.
Tão depressa nos entristecemos com uma angústia profunda como no minuto seguinte isso acaba por ser passado para trás por uma qualquer preocupação com algo tão superficial como a necessidade de comprarmos qualquer coisa… É claro, logo a seguir podemos deixar-nos ir por uma memória longínqua que acaba também interrompida, desta vez pelo calor que estamos a sentir e que nos obriga a abrir uma janela. Chegados à janela, é bem possível que entreguemos a nossa atenção a uma qualquer ideia que nos assalte!
Pensando em tanta coisa, acabamos por não pensar em nada. Gerimos muitas coisas, mas não digerimos nada. Sem tempo, não descansamos, não processamos nem resolvemos tanto quanto poderíamos se fossemos mais capazes de não nos deixarmos perturbar pela cascata sem fim de informações.
Quantas vezes sentimos mais algo que surge em sofrimento ou em alegria diante de nós do que aquilo que se passa no nosso coração?
Tratamo-nos como um pai negligente que não quer saber do que os filhos precisam, quando mais dar-lhes o seu tempo, que julga ser importante para outras coisas!
Abandonamo-nos e aceleramos para dar várias voltas ao mundo, sem consciência de que os nossos problemas estão a crescer a cada dia e ainda com mais força, quando os ignoramos. O valor da fatura a pagar vai aumentando e é com a vida que a havemos de pagar.
1 – O que anda a me preocupar?
2 – Do que me sinto grato?
3 – O que me entristece?
4 – Que cuidados pede o meu corpo?
5 – O que decidi e fiz hoje por amor?
6 – O que ando a fazer mal?
7 – O que devo melhorar amanhã?
Dedica algum tempo a ti mesmo no final de cada dia. Como se falasses com um amigo resgata do teu dia o que importa pensar e sentir com mais tempo e verdade. Com coragem, vai arrancando os espinhos que trazes cravados nos pés… e que te magoam há já muito tempo.
Não deixes que o orgulho, sob a forma de preguiça ou medo, te impeça disso.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 29.12.23
imagem: pexels.com
Desejo: reconhecer que algo está faltando. Saudade... Eu sugeriria que espiritualidade tem algo a ver com isto: viver em meio à presença de uma ausência. É daí que surge tudo o que de belo fazemos: o amor, a poesia, os jardins, a música, as relações... Tudo. Fazemos estas coisas para completar este pedaço que está faltando. Sou espiritual por causa disto, do meu corpo sai uma canção, um suspiro, uma saudade por algo que não encontro, e penso que sinto, no Vento, o cheiro dessa coisa.
Desejo: somos espirituais por causa do desejo. O desejo aponta para aquilo que está ausente. E nós, seres estranhos, somos capazes de viver por causa dessa ausência. Não, não é o desejo de uma casa, ou de uma namorada, ou de um automóvel. É aquela tristeza que permanece, mesmo quando todas estas coisas boas são satisfeitas. Nós somos, incuravelmente, pranteadores de algo que se perdeu... E que desejamos re-encontrar, no futuro. Mas para isto é preciso saber o nome do Desejo. Acontece que somos banais. E quando tratamos de falar no nome do Desejo – este grande desejo, nome sagrado! – falamos demais sem nos darmos conta de que não sabemos o seu nome...
O desejo é como o nome de Deus: os hebreus não podiam pronunciá-lo, e por isto mesmo, se esqueceram dele. Se soubéssemos disto falaríamos menos em nossas orações, porque compreenderíamos que a falação é embrulhação. É preciso descobrir o nome de nosso grande Desejo – aquele, por cuja causa, abandonaríamos tudo, aquele que nos faria bem aventurados. Mas isto requer trabalho, muito silêncio, muita escuta. Aprender a falar poética, em que cada palavra é, absolutamente indispensável. Dizer o nome do nosso grande desejo é orar. É só isto que é orar. O resto é blasfêmia. Espiritualidade: a busca desse desejo perdido, desejo de vida, que nos libertaria dos desejos de morte que nos petrificam... É preciso voar...
Pe. Onofre Araújo SJ
(texto extraído do seu facebook no dia 17.12.23)
Pe. Onofre faleceu hoje, dia 20 de dezembro de 2023, em Belo Horizonte. Vive hoje o seu Natal.
Nossa homenagem a esse homem inspirado e inspirador. Nossa solidariedade a Companhia de Jesus que perde um grande jesuíta.
Maria, senhora do Advento, ensina-nos o que significa estar grávida de Deus. Ensina-nos essa arte grandiosa e acessível de gerar o divino, de despertá-lo lentamente em cada coração, e como uma luz necessária quando a noite avança ou o vazio se torna pesado.
Ensina-nos a abraçar com esperança a vulnerabilidade, tanto a alheia quanto a nossa. Ensina-nos a nos libertar das idealizações e de seus enganos.
Ensina-nos que a fidelidade ao Onipotente se realiza no cuidado daquilo que é totalmente frágil e que as grandes viagens dependem dos pequenos passos. Ensina-nos a acolher aquilo que vem de Deus e que não entendemos, ou só entenderemos depois.
Ensina-nos a saber agradecer (e, portanto, a esclarecer, a devolver limpidez), mesmo quando isso nos custa.
A agradecer pelos dias fáceis e pelos dias sombrios; a agradecer por aquilo que é evidente e por aquilo que está encoberto; pelo superficial e pelo vertical; pela mansidão da brisa e pelo ímpeto do vento.
A agradecer pela força e pelo fracasso; por aquilo que concluímos e por aquilo que nos parece inacabado, por aquilo que chegamos a ver por completo ou apenas disperso em pobres migalhas.
Porque, a seu modo, cada coisa nos integra naquela espiral que pode ser a vida, uma espiral que se amplia cada vez mais.
Ensina-nos a descobrir em nós a capacidade de multiplicar a alegria; de mediar a esperança que mostra caminhos sempre novos; de facilitar a graça que potencializa os novos inícios.
Dom José Tolentino Mendonça
publicado por Avvenire, 08-12-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Dedicamos muito tempo da nossa vida a lutar contra a escuridão. As tempestades parecem suceder-se ao ponto de, por vezes, nem sabermos sequer se ainda é a mesma. Mas passam. Todas passam. Porque na vida o pouco que fica não é a tristeza.
Sentes-te perdido, mas não estás. A guerra constante contra tudo o que nos rouba a paz que merecemos consome muitas das nossas forças. Sentimo-nos longe de casa, longe do caminho, longe até do que somos.
O sentido da tua vida, mesmo quando estás no meio de uma trovoada, deve ser manteres-te fiel ao que amas e à certeza de que és amado. As tempestades passam, o amor não.
É difícil manter o rumo quando é necessário enfrentar os medos, em direção aos sonhos. Muita gente passa a sua vida a fugir dos medos, deixando que sejam eles, na verdade, a determinar um caminho que não leva a lado algum e que apenas serve para desperdiçar esta preciosa vida que nos foi confiada.
Não te esqueças de ir ao encontro de quem está em dificuldade a fim de o socorrer, animar e proteger. Não desistas dos outros nem de ti. Assume com coragem os teus momentos mais frágeis e pede ajuda. Acredita que pedir ajuda é mesmo o contrário de desistir.
A cada madrugada de bonança na vida agradece o que a tempestade curou e fortaleceu em ti. Algumas vezes terás tido grandes perdas… mas continuas aqui e isso é sinal de que, apesar de tudo, venceste a escuridão.
Em breve, a paz será atacada por mais uma tempestade qualquer e tu terás de decidir mais uma vez se lutas ou não, se acreditas no amor ou se é desta que decides que já não queres ter mais forças…
A tempestade passará. E tu?
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 15.12.2023
imagem: pexels.com
Tu, que abraças do fundo do coração. Ouve bem: o teu abraço é abrigo.
Tu, que dás a mão para confortar. Ouve bem: a tua mão é força.
Tu, que sorris tão fácil como quem respira. Ouve bem: o teu sorriso é sol nos dias cinzentos.
Tu, que olhas bem dentro da alma. Ouve bem: o teu olhar toca.
Tu, que és gesto feito de ternura. Ouve bem: o teu gesto cura.
Tu, que és presença de verdade, que fica, que se importa. Ouve bem: a tua presença é luz na escuridão.
Tu, que és amparo que não deixa cair. Ouve bem: o teu amparo é paz na tempestade.
Tu, que cuidas como quem abraça a vida. Ouve bem: o teu cuidado salva.
Tu, que falas ao coração e do coração. Com palavras, com silêncios e com a vida.
Ouve bem: és tanto.
Tu, que tens o coração do lado certo: do lado do bem.
Tu, que és do lado bonito da vida. Do mundo. E que fazes esse lado bonito existir, ser verdade.
Tu, que fazes sorrir. Mesmo sem saberes.
Tu, que és vida de amor.
Ouve bem: mudas o mundo, mesmo sem saberes. E fazes acreditar.
Para saberes. E não esqueceres.
Tu, por tudo e por tanto.
Ouve bem: obrigada. Por seres, por estares, por existires.
Tu, por tudo e por tanto.
Ouve bem: obrigada. Por seres, por estares, por existires.
Daniela Barrera
In: imissio.net 16.10.23
imagem: pexels.com
Não sabemos cuidar do que é nosso. Ou melhor, sabemos cuidar dos nossos. Do que está fora de nós. Colecionamos sacrifícios e malabarismos em prol dos outros. Dos filhos, dos pais, dos irmãos, dos amigos, dos que nos são mais ou menos sangue.
No entanto, quando chega a hora de olharmos para a casa de dentro tudo se descompõe. O que estava desarrumado, desarrumado fica. O que está por amar, por amar fica. O que precisa de ser intervencionado, amputado fica.
Vivemos uma vida profundamente incompleta e nem nos apercebemos. Dedicamo-nos a uma causa com as entranhas acesas e nem duvidamos. Apostamos as fichas todas no cuidado de quem mora conosco, mas não sabemos cuidar da nossa casa. Do nosso coração. Da nossa alma.
De vez em quando, e porque o corpo é sábio, lá vem uma onda desgovernada em forma de calafrio. De gripe. De depressão. De pânico. De pedra na vesícula. De descomando físico. E surpreendemo-nos muito porque até somos vegan. E até fazemos exercício físico. E até bebemos 2 litros de água por dia. Mas deixámo-nos secar por dentro. A nossa criança interior morre à sede. As nossas necessidades espirituais e emocionais pedem esmola. O nosso coração já nem sabe se é órgão ou contorno e esqueleto.
Não vale passar a vida a cuidar dos outros se não soubermos olhar para o que precisamos. Às vezes só precisamos de um copo de água. Ou da alma lavada com a água fria de quem sabe ver e olhar para dentro. Outras vezes precisamos de não estar sozinhos. De ser amados. De ser vistos. De ser respeitados. De que nos digam que estamos no caminho certo. De que nos digam que estamos a fazer o melhor que podemos. Mas a primeira pessoa que deve dizer todas essas palavras-consolo somos nós próprios. Porque enquanto formos órfãos de nós, nunca teremos paz ou pão.
Que nos seja cada vez mais fácil olhar para nós como olhamos para os outros. Que a esperança que depositamos naquilo em que acreditamos nos seja estendida. Que o amor que dedicamos aos nossos seja alargado ao que mora, tantas vezes errante, dentro de nós.
Não te esqueças de ti.
Marta Arrais
In: imissio.net 04.10.23
Ninguém se cura sozinho. Ninguém ultrapassa as tempestades, os barcos revirados, a água que se engole ou o vento cortante sem a ajuda de ninguém. O processo de cura de cada um, ainda que profundamente individual e altamente solitário, é (ainda) um processo de comunidade. De partilha profundíssima capaz de revolver crenças, raízes e, até, a própria alma. É sobre estas pessoas que vale a pena falar. Sobre os que nos mudam a vida para melhor, sem contrapartidas e, tantas vezes, com prejuízo pessoal.
Este texto é para quem não se assusta com a nossa escuridão.
Para quem entra no barco, segura nos remos e diz: “vamos por aqui”.
Para quem nos acende a luz de dentro com a sua.
Para quem vem para ficar.
Para quem nos diz o que precisamos de ouvir.
Para quem nos mostra o que precisamos de ver.
Para quem nos revela as fotografias da alma, que nem sabíamos que existiam, algures por ali.
Para quem é genuinamente bom.
Para quem luta do lado do Bem.
Para quem se atreve a ficar connosco quando somos pouco, fazemos pouco e sabemos ainda menos.
Para quem nos segura o leme quando a nossa vida é um navio prestes a embater no maior iceberg.
Para quem não desiste de nós e não se perturba pelas nossas fragilidades.
Para quem nos encontra a meio caminho.
Para quem reza por nós.
Para quem se preocupa.
Para quem cuida de nós com o carinho que nem sempre merecemos ou sabemos retribuir.
Que saibamos cuidar das nossas pessoas-leme. Das nossas pessoas-resgate. Que vêm para nos mostrar que o Bem há de ganhar sempre. Seja qual for o mal que nos apareça.
Marta Arrais
In: imissio.net 20.09.23
Imagem: pexels.com
Recomeçar parece mais simples quando mudamos de contexto e de lugar. Tudo o que é novo parece impelir-nos para a frente, para uma descoberta que rima sempre com a novidade. Difícil mesmo é recomeçar a partir do mesmo lugar, surfando as mesmas ondas e observando os mesmos cenários.
Recomeçar no mesmo sítio obriga-nos a fazer uma viagem ao contrário. A partir de dentro. Começamos de novo porque estamos diferentes. Porque aprendemos coisas novas. Porque olhamos para as pessoas a partir de outros prismas.
É possível recomeçar a partir da interioridade que nos habita o coração. Agarrar nos hábitos do costume e dar-lhe um outro significado, construir uma ponte diferente para outras oportunidades.
Passamos demasiado tempo a querer coisas diferentes daquelas que temos. Outra casa. Outro carro. Uma relação diferente. Um emprego melhor. Uma oportunidade que nos venha varrer a vida e nos atire para uma alegria que não acaba mais. No entanto, e à medida que vamos vivendo, percebemos que o desejo pelo diferente pode ser só uma escapatória. Uma tentativa de não construir a partir do que nos é dado. Uma vontade de fugir ao que precisa de ser olhado e querido.
O maior recomeço que podemos querer é aquele que nos move as águas de dentro. Aquele que nos permite ser melhores e que nos deixa viver mais alinhados com quem queremos ser. Mais do que desejar coisas novas para melhorar a vida, talvez valha a pena desejar a mesma vida a partir de uma visão mais completa.
O que é que eu posso mudar em mim, se não puder mudar nada à minha volta?
Como é que eu posso reconstruir-me a partir das cicatrizes que vejo espalhadas na minha alma?
Como é que eu posso ser a pessoa que eu preciso? E, depois, que os outros precisam também?
Recomeçar é uma arte muito complexa. Obriga-nos a varrer os vidros que partimos, a colocar ligaduras novas nas feridas do costume e a ousar fazer mais com o pouco que nos é dado.
Depois de olhares bem para ti e de veres o que precisa de ser visto, aí sim, vais saber recomeçar.
Marta Arrais
06.09.23
In: imissio.net
A paz de um sorriso.
A paz de um sorriso que acontece sempre no momento certo.
A paz de um sorriso de quem te quer bem. A paz de um sorriso de alguém que não conheces, mas que te olha e sorri. A paz de um sorriso teu.
A paz de um sorriso que chega e que te abraça o coração. Que te envolve a alma.
A paz de um sorriso que te abriga do mundo. A paz de um sorriso que é lugar disso mesmo: de paz. Que te serena. Que te ajuda a (re)pousar. A paz de um sorriso que surge como balão de oxigénio. Que te ajuda a respirar.
A paz de um sorriso que te conforta, como que a dar-te a mão. A paz de um sorriso que é colo nos dias duros. Que te ampara. A paz de um sorriso que te faz sentir que vai ficar tudo bem.
A paz de um sorriso que te faz sorrir de volta. A paz de um sorriso que te enternece. Que te dá vida. A paz de um sorriso que é a parte mais bonita do teu dia. Que torna o teu mundo melhor.
A paz de um sorriso que te toca a alma, que te vê de verdade. A paz de um sorriso que, ao longe ou de perto, diz tudo. Sem ser preciso dizer. A paz de um sorriso que é feito de sentir. E de tanto sentido.
A paz de um sorriso que é sol nos dias cinzentos, luz na escuridão, paz na tempestade. A paz de um sorriso que te mostra o lado mais bonito da vida. De tudo. A paz de um sorriso que te faz acreditar.
A paz de um sorriso que muda tudo. Que faz milagres acontecer. A paz de um sorriso que te cura. Que te salva.
A paz de um sorriso que te faz parar e recordar o essencial. O mais importante. A paz de um sorriso que te recorda a beleza e o valor das coisas simples. Das coisas mais bonitas: as coisas do coração.
A paz de um sorriso que te sorri com o coração. A paz de um sorriso em forma de amor. A paz de um sorriso que se tatua em ti para sempre.
A paz de um sorriso. Que pode até nem parecer nada. Mas que, sendo apenas a paz de um sorriso, pode ser tanto. Pode ser tudo.
Daniela Barreira
In: imissio.net 21.08.23
Hoje dirijo-me a ti com uma pergunta que, apesar de retórica, deve levar-nos a questionar.
Como quero ser hoje? Ou apenas, como quero ser agora?
Assoberbados que estamos com tudo, e com nada, damos por nós a sentir-nos como que num buraco e apenas vemos escuro. Não sei como me animar? O que fazer para sair deste ”buraco”? É claro que uma caminhada faz bem, ir ao cabeleireiro, uma massagem…mas talvez o seja não pelo resultado mas pelo facto de termos dado atenção a nós. Sejam problemas financeiros ou amorosos, dúvidas, ou apenas insatisfação com certo rumo da nossa vida, todos temos momentos negros. E querida amiga, sabes uma coisa? Não tenho nenhuma mezinha para isso, pelo menos para mim. Alguém me dizia que sentir tristeza e chorar é normal, por isso, às vezes mais vale aceitar que é apenas passageiro e rendermo-nos à “gentileza dos ciclos”.
É difícil ver luz na escuridão, ou será que á nossa volta há luz e nós apenas estamos com os olhos vendados?
Reconheço à minha volta muita gente de luz! Gente que se esforça por ver o lado bom das coisas, por começar a conversa a perguntar se está tudo bem comigo, gente de sorriso fácil, e olhar terno – abençoadas sejam!
Mas também temos gente com muita escuridão, e não, não é porque estão tristes, nem deprimidas, talvez seja por insegurança. Pessoas que vêm o mal em todo o lado, que se incomodam com a alegria dos outros, cheias de manhas, e à espera de ver os outros tropeçar. Gente que sorri, que te cumprimenta, mas que, na verdade, não nos deseja o melhor da vida.
Outros há, que não nos desejam mal nenhum, mas que nos cansam! Ora porque falam muito alto, ora nos interrompem, ora cheios da verdade se sentem superiores- esses estragam a luz de toda a gente pois acham-se uns “iluminados”.
Por mais que diariamente a gente se esforce para manter a luz bem acesa, temos consciência que a chama é frágil e rapidamente esmorece e até mesmo se apaga, o que se repercute também em todos quanto nos rodeiam…como um dominó. Temos de quebrar ciclos de escuridão e treinar a mente para ver o lado bom das coisas, a folha branca e não o ponto preto, o copo meio cheio, em vez de vazio e talvez vejamos melhor a luz dos outros, e reforcemos a nossa.
Por isso hoje não acabo com uma pergunta mas com um desejo:
Que sintas a luz que tens, pois essa ninguém a pode tirar: é tua!
Raquel Rodrigues
In: imissio.net 29.07.23
Há uma diferença fundamental entre os que vivem com medo e os que vivem felizes: a forma como encaram o seu futuro.
Quem tem medo fecha-se e prepara-se para o sofrimento que julga certo. Os que vivem felizes acreditam sempre que algo de bom virá a seguir, mesmo que estejam no meio de uma tempestade e por mais improvável que possa ser.
A fé é uma paixão que se quer sentir. Uma força de viver que se decide ter, mesmo que contra as evidências. As aparências acabam por ser apenas e só isso mesmo, nada mais do que a camada superficial do mundo.
Uma pessoa deprimida tem e terá sempre razões concretas para estar triste e desconfiada a respeito dos seus amanhãs. O pessimismo é, apesar de tudo, lógico, prudente e sensato. Mas quem espera e se prepara para o pior acaba, muitas vezes, por nem reconhecer o bem quando ele aparece em vez do mal.
É verdade que tudo pode sempre piorar. Mas é mentira que tenha de ser sempre assim. O que escolhemos esperar determinará o nosso caminho. Com medo, o futuro é perigoso, o presente é traumático e só o passado nos parece confortável.
Se sinto medo, há guerra em mim, se tenho fé, há paz no meu coração.
Com medo escondo-me, com amor entrego-me.
Na verdade, parece que é mais fácil imaginar tragédias do que sonhar com a felicidade, de tal forma que há até quem tenha medo de sonhar, com medo das desilusões… ora, haverá maior maldade do que alguém assassinar a sua própria esperança?
Sem fé não há esperança, sem esperança não há amor, porque o amor é a força da felicidade.
A fé é uma espécie de imprudência, mas resulta! Porque o mundo não se move pelas lógicas da razão, mas sim pela bravura da vontade dos que, acreditando que podem fazer a diferença, se entregam para que felicidade dos outros os faça felizes.
O amor supõe implica tomar por certo o incerto, lutando pela felicidade contra até a própria lógica, entregando a própria vida por uma intenção que é uma loucura aos olhos do mundo.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net
27.07.23
imagem: pexels.com
A vida torna-se bonita pelo amor que se vai deixando pelo caminho.
A vida torna-se bonita pelos abraços que são porto de abrigo.
A vida torna-se bonita pelas mãos que confortam tanto.
A vida torna-se bonita pelos olhares que tocam a alma.
A vida torna-se bonita pelos sorrisos que iluminam os dias.
A vida torna-se bonita pelos beijos que curam tudo.
A vida torna-se bonita pelos colos que não deixam cair.
A vida torna-se bonita pelas palavras que falam do coração.
A vida torna-se bonita pelos silêncios que escutam o coração.
A vida torna-se bonita pelos gestos que salvam.
A vida torna-se bonita pela gentileza que muda o mundo.
A vida torna-se bonita pelas pessoas que são amparo, pelas pessoas que cuidam, pelas pessoas que fazem sorrir.
A vida torna-se bonita pelos momentos assim, em que a própria vida serena e nos permite parar para respirar, para sentir, para ver de verdade: com o coração.
A vida torna-se bonita pelos momentos assim, só assim, do amor a acontecer.
É por isto. É só por isto.
E é tanto. É tudo.
O resto é só o resto.
A vida torna-se bonita pelo amor. O amor que se vai deixando pelo caminho. E encontrando também.
Esta é uma pergunta com “rasteira”. Acredito, mesmo, que aprendemos pouco com os erros. Ou, antes, não aprendemos o suficiente para não deixar de errar. Mas, afinal, o que se passa connosco para não conseguirmos cometer um disparate (ou um erro) numa vez única? O que nos leva a repetir, a voltar a cair no mesmo sítio? Na mesma lama, no mesmo buraco, na mesma armadilha que já ali estava antes?
É fácil. O que nos leva a repetir os erros é o esquecimento. Ou a falta de memória. Imaginemos a seguinte situação: o ano passado apanhámos um escaldão. A dor da pele a estalar, a cor rosada que repelia qualquer toque, o calor a espalhar-se por todo o corpo como se tivéssemos uma fogueira acesa debaixo da pele. Um horror. Enquanto cobríamos a pele ferida e magoada com este ou aquele unguento, repetíamos mentalmente afirmações como: nunca mais vou à praia; nunca mais fico tanto tempo ao sol; nunca mais volto a cometer esta estupidez.
E o que nos acontece, tantas vezes, no ano seguinte? Voltamos a repetir o erro. Confiamos que não há de ser assim tão mau. Que o sol não estava assim tão forte e que pusemos protetor suficiente. Repetimos porque nos esquecemos da dor que sentimos antes. Daquele queimar que nos deixava dormentes e desconfortáveis. Como se quiséssemos fugir da pele que vestíamos.
O que nos faz repetir os erros é a nossa memória. Seria insuportável manter presente a dor do escaldão do ano anterior. Além de que já não combinaria com a nossa pele recuperada e recomposta.
Infelizmente, muitos de nós precisamos de repetir para lembrar. Para entranhar a sensação de não querer mais aquele escaldão. Aquela pessoa. Aquele relacionamento tóxico. Aquele padrão de resposta e de reação. A repetição cansa-nos porque nos traz a dor de agora e a dor de antes. Mas é preciso repetir para lembrar como deve ser. Para que o corpo grite que já chega. Que disto não queremos mais. Que desta água não bebemos. Que daquele sol não queremos mais feridas.
Só quando temos a humildade de reconhecer que vamos errar mais do que uma vez (no mesmo lugar e pelos mesmos motivos) é que estaremos disponíveis para perceber o que nos fará quebrar essa repetição e decidir fazê-lo.
Enquanto não aprenderes e não tiveres coragem para olhar, prepara-te para viveres numa espiral de déjà-vus.
Marta Arrais
In: imissio.net 5.07.23
DISCURSO DO SANTO PADRE FRANCISCO
AOS ARTISTAS PARTECIPANTES DO ENCONTRO PROMOVIDO POR OCASIÃO DO
50° ANIVERSÁRIO DA INAUGURAÇÃO DA
COLEÇÃO DE ARTE MODERNA DOS MUSEUS VATICANOS
Capela Sistina
Sexta-feira, 23 de junho de 2023
Bom dia, bem-vindos! Aqui tudo é arte, Aqui tudo é arte, ali [aponta para os afrescos], vós, todos! Bem-vindos!
Agradeço por terdes acolhido meu convite. A vossa presença me alegra, porque a Igreja sempre teve uma relação com os artistas que pode ser definida, ao mesmo tempo, natural e especial. Trata-se de uma amizade natural, porque o artista leva a sério a profundidade inesgotável da existência, da vida e do mundo, mesmo nas suas contradições e nos seus lados trágicos. Esta profundidade corre o risco de se tornar invisível ao olhar de muitos saberes especializados que respondem a exigências imediatas, mas têm dificuldade em ver a vida como realidade poliédrica. O artista recorda a todos que a dimensão na qual nos movemos, mesmo que não tenhamos consciência, é a do Espírito. A vossa arte é como uma vela que se enche do Espírito e faz continuar, ir adiante. A amizade da Igreja com a arte é, portanto, algo natural. Mas é também uma amizade especial, sobretudo se pensamos em muitos períodos da história percorridos juntos, que são patrimônio de todos, crentes ou não crentes. Lembrados disso, esperamos novos frutos também no nosso tempo, em um clima de escuta, de liberdade e de respeito. As pessoas precisam destes frutos, de frutos especiais.
Romano Guardini escreveu que «o estado em que o artista se encontra, enquanto cria, é semelhante ao da criança e também ao do vidente» (L'opera d'arte, Brescia 1998, 25). Estas me parecem ser duas comparações interessantes. Segundo ele, «a obra de arte abre um espaço no qual o homem pode entrar, no qual pode respirar, mover-se e lidar com as coisas e com os homens, tornando-se aberto» (ivi, p. 35). É verdade que, quando se trabalha na arte, as fronteiras afrouxam-se e os limites da experiência e da compreensão expandem-se. Tudo parece mais aberto e disponível. Então, adquire-se a espontaneidade da criança que imagina e a agudeza do vidente que apreende a realidade.
Sim, o artista é uma criança – não deve soar como uma ofensa -; significa que se move, antes de tudo, no espaço da invenção, da novidade, da criação, de trazer ao mundo algo que nunca foi visto desta forma. Ao fazer isto refuta a ideia de que o homem é um ser para a morte. O homem deve aceitar a sua mortalidade, é verdade, mas não é um ser para a morte, mas para a vida. Uma grande pensadora como Hannah Arendt afirma que o próprio do ser humano é o de viver para trazer a novidade ao mundo.
Esta é a dimensão de fertilidade do homem. Trazer a novidade. Mesmo na fecundidade natural, cada filho é uma novidade. Abrir-se e trazer novidade. Vós, artistas, conseguis isto afirmando a vossa originalidade. Nas obras, sempre colocais a vós mesmos, como seres irrepetíveis como todos nós somos, mas com a intenção de criar ainda mais. Quando o talento vos auxilia, trazeis à luz o inédito, enriqueceis o mundo com uma nova realidade. Penso em algumas palavras que lemos no Livro do profeta Isaías, quando Deus diz: «Eis que estou fazendo uma coisa nova, agora mesmo está brotando: não o percebeis?» (43,19). E no Apocalipse confirma: «Eis que faço novas todas as coisas» (21,5).
Assim, a criatividade do artista parece participar da paixão geradora de Deus, aquela paixão com a qual Deus criou. Sois aliados do sonho de Deus! Sois os olhos que observam e sonham. Não basta apenas olhar, é preciso também sonhar. Dizia um escritor latino-americano que nós, pessoas, temos dois olhos: um para ver o que vemos e outro para ver o que sonhamos. E quando a pessoa não tem estes dois olhos, ou só parte de um ou de outro, falta-lhe alguma coisa. Ver o que sonhamos... A criatividade do artista: não basta somente olhar, é preciso sonhar. Nós, seres humanos, ansiamos por um mundo novo que não veremos plenamente com os nossos próprios olhos, mas mesmo assim, desejamo-lo, buscamos e sonhamos com ele.
Vós artistas, então, tendes a capacidade de inventar novas versões do mundo. E isto é importante: novas versões do mundo. A capacidade de introduzir novidades na história. É por isso que Guardini diz que vós também vos pareceis com videntes. Sois um pouco como os profetas. Sabeis olhar as coisas, seja em profundidade seja à distância, como sentinelas que apertam os olhos para perscrutar o horizonte e sondar a realidade para além das aparências. Nisto sois chamados a escapar ao poder sugestivo daquela suposta beleza artificial e superficial, que hoje se difunde, e que é muitas vezes cúmplice dos mecanismos econômicos geradores de desigualdades. Aquela beleza não atrai, porque é uma beleza que nasce morta. Não há vida ali, não atrai. É uma falsa beleza, cosmética, uma maquiagem que esconde em vez de revelar. Em italiano, é chamada de "trucco", porque tem algo de enganoso. Vós estais distantes dessa beleza, a vossa arte quer atuar como uma consciência crítica da sociedade, tirando o véu do óbvio. Quereis mostrar o que faz pensar, o que torna atento, o que revela a realidade, mesmo nas suas contradições, em seus aspectos que é mais cômodo ou conveniente manter ocultos. Como os profetas bíblicos, vós nos colocais diante de coisas que, às vezes, nos incomodam, criticando os falsos mitos de hoje, os novos ídolos, os discursos banais, as armadilhas do consumo, as artimanhas do poder. Isto é interessante na psicologia, na personalidade dos artistas: a capacidade de ir além, de ir além, na tensão entre a realidade e o sonho.
E muitas vezes o fazeis com ironia, que é uma virtude maravilhosa. Duas virtudes que não cultivamos tanto: o sentido de humor e a ironia, devemos cultivá-las mais. A Bíblia está repleta de momentos de ironia, em que se ridicularizam a presunção de autossuficiência, a prevaricação, a injustiça, a desumanidade, quando se revestem de poder e, às vezes, até de sacralidade. Fazei bem em serdes também sentinelas do verdadeiro sentido religioso, por vezes banalizado ou comercializado. Neste ser videntes, sentinelas, consciências críticas, sinto-vos aliados para tantas coisas que me são caras, como a defesa da vida humana, a justiça social, os últimos, o cuidado da nossa casa comum, o sentirmo-nos todos irmãos.
É-me muito cara a ‘humanidade’ da humanidade, a dimensão humana da humanidade. Por que também é a grande paixão de Deus. Uma das coisas que aproxima a arte da fé é o fato de atrapalhar um pouco. A arte e a fé não podem deixar as coisas como estão: mudam-nas, transformam-nas, convertem-nas, movem-nas. A arte nunca pode ser um anestésico; dá paz, mas não adormece as consciências, mantém-nas despertas. Vós, artistas, muitas vezes tentais sondar até mesmo o submundo da condição humana, os abismos, as partes escuras. Não somos apenas luz, e vós nos lembrais disso; mas é preciso lançar a luz da esperança nas trevas da humanidade, do individualismo e da indiferença. Ajudai-nos a vislumbrar a luz, a beleza que salva.
A arte esteve sempre ligada à experiência da beleza. Simone Weil escreveu: «A beleza seduz a carne para obter permissão para passar até à alma» (L'ombra e la grazia, Bolonha 2021, 193). A arte toca os sentidos para animar o espírito e faz isto por meio da beleza, que é o reflexo das coisas quando são boas, certas, verdadeiras. É o sinal de que algo tem plenitude: é então que dizemos espontaneamente: "Que belo!" A beleza faz-nos sentir que a vida é orientada para a plenitude. Assim, na verdadeira beleza, começamos a sentir saudade de Deus. Muitos esperam que a arte volte frequentar mais ainda a beleza. Claro, como eu dizia, há também uma beleza fútil, uma beleza artificial e superficial, até enganosa, aquela da maquiagem.
Mas creio que existe um critério importante de discernimento, o da harmonia. A verdadeira beleza, de fato, é um reflexo da harmonia. Na teologia – é interessante – os teólogos descrevem a paternidade de Deus, a filiação de Jesus Cristo, mas quando se trata de descrever o Espírito Santo: o Espírito é harmonia. Ipse harmonia est. O Espírito é quem cria a harmonia. E o artista tem algo desse Espírito para criar harmonia, esta dimensão humana do espiritual. A verdadeira beleza, de fato, é um reflexo da harmonia. Essa, se assim posso dizer, é a virtude operativa da beleza. É o seu espírito subjacente, no qual atua o Espírito de Deus, o grande harmonizador do mundo. Há harmonia, quando há partes, diferentes umas das outras, mas que formam uma unidade, diferente de cada uma das partes e diferente da soma das partes. É uma coisa difícil, que só o Espírito pode tornar possível: que as diferenças não se tornem conflitos, mas diversidades que se integram; e, ao mesmo tempo, que essa unidade não seja uniformidade, mas acolha o que é múltiplo. A harmonia opera esses milagres, como em Pentecostes. Impressiona-me sempre pensar no Espírito Santo como aquele que permite que as maiores desordens ocorram - pensemos na manhã de Pentecostes - e depois cria a harmonia. Não é o equilíbrio, não! Para criar a harmonia precisa primeiro do desequilíbrio; harmonia é outra coisa em comparação ao equilíbrio. Como é atual esta mensagem: estamos num tempo de colonizações ideológicas midiáticas e de conflitos dolorosos; uma globalização uniformizadora coexiste com muitos localismos fechados. Este é o perigo do nosso tempo. Até a Igreja pode ser afetada. O conflito pode operar sob uma pretensão fingida de unidade; daí as divisões, as facções, os narcisismos. Precisamos que o princípio da harmonia habite mais o nosso mundo e expulse a uniformidade. Vós, artistas, podeis nos ajudar a abrir espaço para o Espírito. Quando vemos a obra do Espírito, que é criar a harmonia das diferenças, não destruí-las, não padronizá-las, mas harmonizá-las, então compreendemos o que é beleza. A beleza é aquela obra do Espírito que cria harmonia. Irmãos e irmãs, que o vosso gênio percorra este caminho!
Queridos amigos, estou feliz por este encontro convosco. Antes de me despedir, ainda tenho uma coisa a vos dizer, que me é muito cara. Gostaria de vos pedir que não esqueçais os pobres, que são os favoritos de Cristo, em todas as formas em que hoje se é pobre. Também os pobres precisam da arte e da beleza. Alguns experimentam formas muito duras de privação da vida; por isso, precisam ainda mais. Eles geralmente não têm voz para se fazerem ouvir. Vós podeis ser intérpretes do grito silencioso deles.
Agradeço-vos e confirmo-vos a minha estima. Desejo que as vossas obras sejam dignas das mulheres e dos homens desta terra, e que deem glória a Deus, que é o Pai de todos, e a quem todos procuram, também por meio da arte. E, finalmente, peço-vos, harmoniosamente, que rezem por mim. Obrigado.
Tradução Educris a partir do original em Italiano
Educris|24.06.2023
Imagem: site do Vaticano
«Ao ouvirem estas palavras, todos ficaram furiosos na sinagoga. Levantaram-se, expulsaram Jesus da cidade e levaram-n’O até ao cimo da colina sobre a qual a cidade estava edificada, a fim de O precipitarem dali abaixo. Mas Jesus, passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho.» [Lc 4, 28-30]
Como nos é narrado no capítulo quatro do Evangelho de São Lucas, Jesus é recebido com hostilidade e desconfiança na Sua própria terra. A este propósito, disse o Papa Francisco que os conterrâneos de Jesus «queriam milagres, sinais prodigiosos», mas Jesus «apresentou-se como não esperavam».
É desarmante este jeito de Jesus. Também a mim me desconcerta que Se apresente na minha vida como e quando menos O espero. E, por isso, constantemente identifico, no meu dia a dia, a minha fácil adesão àquela multidão que, furiosa, expulsa Jesus da cidade. Junto-me a essa multidão quando, na relação com o próximo, não me liberto das minhas vontades e não me revisto de humildade para acolher a diferença e a mudança no outro. O que sou, sou-o em relação, e, no entanto, vejo-me demasiadas vezes a tentar anular como o outro se me apresenta, impondo a soberania dos meus quereres.
Tanto o eu como o outro vamos mudando, com cada dia vivido, cada instante rezado, cada sofrimento acolhido, cada alegria anunciada, cada decisão tomada, cada fragilidade assumida. E estas mudanças (algumas delas tão violentas) transformam a nossa relação. Se não tenho um coração aberto e uma humildade que aceita não se cumprirem sempre as minhas vontades, posso, até inconscientemente, com o passar do tempo, começar a ver com hostilidade essa ligação, esse outro. Se não sou capaz de me colocar no coração do outro, se não procuro ver a realidade através dos outros olhos que também a olham, posso estar a empossar a minha razão de um despotismo arrogante. E tudo isto há de fazer com que o desânimo e o abandono sejam as vozes mais gritantes do nosso vínculo. Nesse momento, estarei a levar Jesus para o cimo do monte, para O precipitar dali abaixo; estarei a expulsá-Lo deste “nós” para me centrar no “eu”.
Reconheço a cena relatada no Evangelho de São Lucas em relações de amizade. Arrisco-me a dizer que reconheço ainda mais amiúde a cena em relações de família e comunidade, em matrimónios, em laços que vão ficando mais ténues sem os implicados disso se darem conta. Um Amor que se manifesta como não se esperava ou desejava, a incompreensão que silenciosamente leva à fúria e ao desejo hostil de não guardar espaço para Jesus quando se está com o outro, o fechar-se em si próprio.
Mas agarro-me com esperança e alento à ideia de que continua a ser Amor o que se manifesta. Mesmo que seja como e quando não o esperávamos. A multidão reage furiosa e leva Jesus para o cimo da colina, a fim de O precipitar dali abaixo. Se realmente o desejasse, tal o teria feito. Porém, como ouvi um dia o P. Miguel Pedro Melo, sj, dizer, a propósito desta passagem, «Jesus não teve dificuldade em passar pelo meio da multidão e seguir o Seu caminho porque a própria multidão se sentiu dividida».
Será certamente reconciliador voltar a olhar para uma relação que julgávamos perdida e assumir que as nossas certezas são, afinal, lugares de dúvida. Pois é onde nos sentimos divididos que Jesus encontrará o espaço para passar pelo meio. E, passando pelo meio, semeará o Bem e conduzir-nos-á pelo Seu caminho, resgatando o que, antes de o ser, já era Amor.
Façamos, pois, caminho pelas fragilidades das nossas relações, na certeza confiante de que a Deus nada é impossível.
Suzana Mendes Gonçalves
In: pontosj.pt 14.06.23
Nem sempre está tudo bem. No entanto, é essa a resposta que continuamos a dar na maioria das vezes em que a pergunta “como estás?” nos é feita.
Mas, então, será que gostamos de mentir?
Julgo que não. Mas gostamos de nos proteger. De nos reservar. De fingir uma versão nossa que, às vezes, só existe mesmo para dar de comer às idealizações dos outros. Não conseguimos dizer a verdade sobre como nos sentimos também por outra razão. Ninguém nos ensinou. Ninguém nos autorizou. Ninguém nos disse que não somos menos por não estar sempre bem.
O problema é que ainda precisamos de aprender que não há nada de mal em ser como somos. Ou em estar como estamos.
Ainda assim, parece-nos mais fácil criar rugas de expressão regadas pelos sorrisos forçados que, tantas vezes, temos de atirar aos outros. Jogamos, todos os dias, uma espécie de jogo do mundo ao contrário:
Estamos mal e fingimos estar bem.
Estamos bem e teimamos em acreditar que, por isso, alguma coisa tem de estar mal.
Queremos seguir a nossa vocação, mas decidimos que vamos continuar reféns do pagamento das mesmas contas.
Brilham-nos os olhos pelos sonhos que trazemos dentro, mas apagamo-nos nas expectativas dos outros, no julgamento dos que passam por nós, nas mentiras que nos contam como verdades.
Entramos no carro, mas o que queríamos era apanhar um avião.
Somos pessoas tranquilas, mas, sem perceber como, os dentes lá nos vão arregaçando as mangas da raiva que nem sabíamos que tínhamos.
Ouvimos podcasts de motivação e empoderamento, mas rendemo-nos ao piloto automático.
Vivemos como podemos. Fazemos o melhor que sabemos. Dizemos o que temos de dizer para sobreviver numa sociedade em que estamos todos a fazer teatro. Vamos caminhando como quem quer acreditar que há de dar tudo certo. Mesmo que uns dias dê. E outros não.
Marta Arrais
In: imissio.net 24.05.23
As pessoas compram as coisas como se estivessem a comprar a felicidade que elas prometem. A verdade é que a alegria nunca está em coisa alguma. Por isso é que o pouco pode fazer de alguns muitos contentes e o muito pode criar ainda mais vazios a outros.
Andar à caça de coisas é uma distração do que é importante. É onde colocamos o foco da nossa atenção que determina o que somos e o que queremos ser.
Quem acredita que o seu bem-estar mais profundo (depois de satisfeitas as necessidades essenciais) depende de coisas materiais está enganado. O dinheiro e as coisas não dão felicidade a ninguém. Podem fazer-nos sentir poderosos, capazes e seguros, chegando até a causar a admiração e a inveja de muita gente, mas a verdade é que tudo isso é ilusório, porque apenas aparente.
A satisfação que depende do que temos é cada vez mais temporária e acabamos cada etapa pior do que quando a começámos… o que aumenta é a sensação de vazio que se vai apoderando cada vez mais do nosso coração.
Que te importa o que os desconhecidos pensam de ti? Não deverias dar mais valor ao que pensam os que te amam?
Se comprar te faz sentir bem, há algo de errado contigo, que através dessa estratégia estás apenas a adiar e, talvez, a agravar. Pode até chegar o momento em que te sentirás que comprar é um dever… e isso é muitíssimo triste.
Ninguém nasce ansioso por ter mais e mais, mas muitos aprendem desde muito cedo que se podem compensar as falhas emocionais com bens materiais.
O que quer uma criança? O que queria eu quando era pequeno?
Importa muito descobrir os valores que fazem de nós quem somos, recuperar o que nos faz mesmo felizes e tratar de nos libertarmos de tudo o que nos distrai disso.
A inquietação que consome quem procura ter.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 26.05.23
Quem não cometeu nenhuma loucura por amor nos tempos mais recentes, por mais que julgue o contrário, está parado no caminho da vida. Está em modo de sobrevivência.
Amar é uma loucura, porque qualquer gesto de amor envolve algo mais do que lógica. Amar é exceder o normal, ir mais além, sair de si e entregar-se, de forma tão bela quanto destemida.
Que nome têm aqueles que andam por aqui, indiferentes a tudo o que importa, assistindo apenas ao passar dos dias, preocupados com os seus hábitos e as suas insignificâncias?
Os burros são sérios, julgam-se certos e defendem as suas ideias até ao limite. Os loucos são tão livres que, se for preciso, duvidam até de si mesmos!
A criação é um gesto de amor, uma insensatez brilhante. As mais belas obras que existem no mundo são resultado de uma certa dose de loucura. Nem muita, nem pouca. Apenas a que é necessária ao compromisso de amar, dando de si ao mundo o que têm de melhor!
Os loucos são honestos e puros? Ou será que é a honestidade e a pureza que são verdadeiras loucuras?
O amor exige-nos que abandonemos seguranças e certezas. Só um grande espírito é capaz de fazer tudo quanto o amor lhe pede!
A vida é uma luta constante, na qual é preciso que cada um de nós escolha com sabedoria as lutas em que entra, em que momento e com que estratégia. No entanto, ainda que o façamos, e por melhores que possamos ser, o mais certo é que acumulemos muitas derrotas!
Importa dar paz a nós mesmos e olhar o mundo como ele é, sem nos culparmos por aquilo de que, na verdade, não somos responsáveis. Também não devemos gastar tempo nem forças a tentar provar alguma coisa a alguém.
Os que nos amam, ficam, para sempre. Os outros, partirão assim que uma tempestade qualquer se aproximar.
De nada vale a um guerreiro revoltar-se contra uma rocha. É assim. Há que aceitar, o melhor possível, todas as realidades que hão de acontecer de qualquer das formas. Mais vale começar logo a pensar em como podemos tirar partido dessas adversidades ou em como podemos contorná-las.
Enfrentar tudo e todos, sem medir forças, nem estratégia, é uma insensatez, por mais poética que possa parecer.
Encontra as motivações mais profundas que há em ti, e faz com que as tuas ações tenham sentido para ti e para os outros.
Larga o passado e dá um passo adiante, mesmo que não vejas o chão. Fortalece a tua fé, porque ela nos ensina que não é por muito nos preocuparmos que conseguimos alguma coisa. A maior parte do que nos acontece está fora do nosso controlo. Nem vale a pena pensarmos nisso.
Aprende a descansar, a distinguir o possível do impossível, a aceitar-te com todos os teus limites, carências e defeitos, bem como com os teus dons, virtudes e feitos.
Ao longo do dia, encontra um ou dois minutos para parares e te aquietares, depois foca a tua atenção em ti. Por fim, retira mais alguns instantes para reparares em tudo o que está ao teu redor.
Reza e levanta-te.
José Luis Nunes Martins
11.05.23
A tristeza colocamo-la longe. Ou atrás de uns óculos de sol que nunca se tiram, mesmo quando chove muito.
Colocamo-la num frasco todo preto para que ninguém a vislumbre e atamo-la com cordas fortes. Depois, atiramo-la para dentro do mar mais longínquo que habite os meandros da nossa alma.
Não há lugar para a tristeza no mundo onde vivemos. Neste universo de maquinaria, ritmo, produção máxima e positividade a todo o custo não se senta ninguém na cadeira da tristeza. Até na da raiva ousaríamos sentar-nos. Até fica bem partir uns pratos ou uns copos para descarregar as emoções, como se vê nos filmes. Até da raiva se fazem bons filmes. Agora da tristeza? Essa anda pelas ruas, suja, vestida com roupas de ninguém e com contornos de corações velhos. De mão estendida e alma ao peito, à espera de quem a veja. De quem a queira sentir.
Não fiques triste. Não é assim tão mau. Choras depois, em casa. Pensas nisso depois, quando ninguém estiver a ver.
E assim vamos enganando a “pobre” tristeza e a nossa própria pobreza. Enquanto vamos atirando a tristeza para longe, limpando as lágrimas às escondidas e respondendo com disfarces absurdos onde já ninguém cai, estamos a adiar-nos. Estamos a escolher sentir tudo isso, um dia, sem aviso prévio e numa dimensão de tsunami pouco condizente com a nossa natureza do politicamente correto.
Somos tão tristes quando não nos deixamos ficar tristes.
Somos tão pequeninos quando não queremos sentir o que TODOS sentimos.
Tanta vergonha de estar triste.
É preciso pôr a tristeza na primeira fila. Evitar colocá-la na segunda plateia ou nos camarotes com pouca visibilidade. Isto se quisermos evitar que, um dia, nos inunde sem pedir autorização.
Quando vires a (tua) tristeza, vestida das tuas cicatrizes velhas e novas, das roupas da alma que já não vestes, vê se tens a coragem de olhar também para ela e de lhe dar a esmola da tua atenção.
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