Quando penso neste tempo do Advento e no seu significado profundo, muitas vezes me recordo de um livro do poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto: Morte e Vida Severina. E o que esse livro nos conta? Conta a história de Severino. Severino é o Homem, é o Adão, é o Homem sobre a terra, é o Jó bíblico. Esse Severino é um homem provado, porque a vida é implacável, é dura, e frequentemente não retribui o impacto, o sonho, ou o investimento afetivo que colocamos nela.
Severino sente-se só, abandonado, espoliado sobre a terra. Em sua angústia, empreende uma grande busca por soluções e remédios que, no entanto, nunca encontra. Dramaticamente, chega à conclusão de que a vida não tem sentido, que não há respostas para as perguntas que carrega, e decide que talvez o melhor seja ele mesmo pôr fim à própria existência. Enquanto caminha próximo a um rio, encontra um carpinteiro chamado José. Ele pergunta a José se, vivendo ali, naquele braço de rio, sabe se o rio é suficientemente fundo e cheio de lodo para que uma vida se perca. O carpinteiro compreende a questão de Severino e começa a tentar convencê-lo a não cometer tal ato, a não desistir da vida.
 
Severino insiste, interpelando-o: “Então dá-me uma razão. Dá-me uma razão, ainda que seja apenas uma, que me prove que a vida vale a pena. Dá-me uma razão para que eu não faça isso.” No meio dessa conversa, eles são interrompidos. Um coro de parentes e conhecidos aparece cantando para anunciar a José que ele acaba de ser pai.
 
No final, José se volta para Severino e admite: “Nenhum homem é capaz de responder. É a vida que responde.” E como a vida responde? Ela responde manifestando-se, doando-se, revelando-se no espetáculo inacreditável da própria existência, nesse milagre impressionante que é viver. É ao contemplar, acolher e abraçar esse milagre que somos curados das nossas dúvidas, daquilo que em nós parece insolúvel, sem remédio. É quando abraçamos e confiamos no milagre da vida — naquilo que continuamente nasce e explode de vida no mundo e em nós — que podemos ser curados das nossas provações, tentações e imperfeições.
 
— Cardeal D. José Tolentino Mendonça
06.12.2024 
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