“APROXIMAÇÃO”
Diretor: Amos Gitai – “DISengagement”,
Alemanha/Itália/Israel/França, 2007
115 minutos
- Aproximação do que?! Do des-engajamento pode surgir uma aproximação?!
Saio do cinema. Ouço, no carro, a trilha sonora do filme “Bleu”, em que Juliette Binoche faz a esposa do maestro e compositor da sinfonia de comemoração da Unificação da Europa. Um comboio do exército brasileiro para, do meu lado, no sinaleiro. Olho os rapazes da cabine. Penso no quanto nós, brasileiros, estamos distantes de conflitos armados, e não temos a dimensão do que significa a ameaça de não ter, ou ter que perder, a terra em que se assenta os pés. Penso na Unificação da Europa e nos seus quantos e tantos problemas políticos, sociais e econômicos, os quais também não alcanço compreender. E penso na milenar questão belicosa no Oriente Médio. E me entristeço.
Mas, logo me lembro do BEIJO, nas cenas iniciais. A mulher, palestina. O jovem, judeu. De onde você é? Você porta um documento que lhe dá a passagem entre os países? Palestina. Onde está? Judeu. É de onde? O cobrador italiano: mas de onde você é, precisamente? Quando tratam de questões várias, é em inglês. Quando ela diz: “por amor”, o faz em francês. Quando querem falar só entre eles, é em hebraico (?). Qual é a língua que nos cabe falar? Como nos comunicaremos? Entre tantos idiomas sabidos e falados, mostrando o trânsito entre países e línguas, entre ele e ela surge um idioma simples, básico e unificador: o beijo. Quisera fosse possível resolver tantos conflitos entre povos, países, homens e mulheres, com o que nos é tão necessário e imprescindível: o afeto! E por aí seguirá o filme: família, morte, busca, desencontro, reparação, separação, exército, poder, oração, educação, continuidade...
Há um drama de consciência familiar e pessoal, que se entranha num drama maior, de consciência e responsabilidade internacionais, entre povos e nações. Amos Gitai desfila sua sensibilidade, densidade e seriedade à nossa frente. Ele parte do fato real da evacuação dos judeus da Faixa de Gaza, em setembro de 2005, e o entremeia com fatos familiares e pessoais, em que estes são também o pano de fundo do drama político Europa (Ana) e Oriente Médio (Uri). Fritz, o pai falecido de Ana e Uri, deixa planejado não só seu testamento, como também seu funeral. A canção da terra, de Mahler, é a comovente despedida para sempre. O compositor é tcheco, a soprano é estadunidense (Barbara Hendricks), Ana é a filha francesa-judia, Uri é o filho adotivo-judeu que vive e luta por Israel. EUA (Barbara) e Europa (Ana) fazem uma “dança” no velório. Europa (Ana) se insinua para Israel (Uri). O grande professor, que não sabia direito de suas origens, nasceu em 1925, nos EUA, e não quis que sua filha falasse hebraico. O que todos estes pequenos detalhes nos querem dizer, política e socialmente? Mais do que alcanço. Mas, não estão aí à toa. Na periferia de Avignon, há moradores de rua e conflito com a polícia. Imigrantes? Parece. E lá estão eles, no subsolo da “grande velha casa burguesa européia”, a dormir, amontoados, sem identidade, e com a bebida na mão.
Ana tenta deixar sua parte da herança para Uri. Drama de consciência da Europa com Israel/Palestina? Pode ser. Mas, Ana (mulher e continente) terá que se defrontar com a filha que foi gerada, e abandonada, pois ela é herdeira do avô, que a conheceu e adotou. Ana terá que mergulhar na zona de conflito. E vai! Claro que aqui podemos pensar, também, nas marcas que um passado mal encaminhado podem deixar no presente, impedindo um real crescimento de si mesmo (Ana se diz preguiçosa, burra, incapaz), e cobrando, no futuro, reparação e enfrentamento. E Ana quer encontrar sua filha Dana. E Uri a leva para o encontro, mas este terá que ser feito por ela, sozinha. Lindo o enquadre de foto em que Ana está no cais, sozinha, lenço esvoaçante, tendo o casco do navio como fundo. E o carro alemão, Volvo, destruído pelo soldado sem cuidado. Que alusão será essa? Valiosas as cenas do grupo dançando, no deserto. Canto e dança de resistência? A oração e a tradição judaicas, homens e mulheres, no Templo. O exército que avança e a religião que resiste. Grupos que se opõem? As crianças pintam o tronco de árvore seca. A marca dos ancestrais? A beleza do poema que o palestino declama: ... transeuntes entre palavras, saiam daqui... pedras de nossa terra construíram o telhado do céu... Só restam o choro e o abraço: uma aproximação?
Maria Teresa Moreira Rodrigues
Psicanalista - Espiritualidade Inaciana
01.11.2013
“SOUL KITCHEN”
Diretor: FATIH AKIN
– Alemanha – 2009
É preciso cozinhar a vida na “cozinha da alma”
Saí da sessão muito bem, com a alegre satisfação que nos traz um filme bem feito, envolvente, coerente, atual, urbano e profundamente sério, sob uma fachada cômica. Achei que não dava para escrever algo que me envolvesse e que lhes trouxesse o que sempre busco, que é ajudar a que a sensibilidade própria de cada um de vocês aflore, ao “entrar” na que aflorou em mim. No entanto, no decorrer da manhã de hoje, o filme foi ganhando contornos. Tentarei partilhá-los: de fato, do começo ao fim, ele aponta àquilo que veio: mostrar o desenrolar de um viver que pode encontrar um centro e um rumo melhor. Não à toa, o sobrenome dos nossos personagens gregos é Kazantzákis. Não sabia o que me lembrava. Ah, lembrei! Nikos Kazantzákis, de “Zorba, o grego”! E de “Ascese – os salvadores de Deus”!
Foi-se fechando o círculo: ordenar a vida, dar rumo e, além disso, vencer o stablisment, o furor do capitalismo selvagem e o da desumana expansão e especulação imobiliárias. Ou seja, tudo se desenrola sob um plano individual (Zinos e sua vida) e um coletivo (Z. como a classe social que está à margem do lucro a qualquer preço. Vejamos o plano coletivo: Z. é grego, “duro”, dono de uma espelunca de restaurante, e cheira a óleo de cozinha (Europa 3º. mundo); namora Nadine, alta, magra, elegante, olhos claros, neta de uma grande senhora (Europa 1º. mundo), e que vai para a China seguir carreira (Mundo em desenvolvimento, mas já rico e potente). Z. está à margem; a comida do seu restaurante reproduz o que há de pior no “fast food”, mas todos se “acostumaram” com esse “american way of life”. Digamos que aos “pobres” estimula-se com o que há de pior. No entanto, o “rico” que poderia ter o que há de melhor, está arrogante e ignorante: no restaurante chique, ele quer “gazpacho” quente (!); não reconhece tradição, não sabe o que é o que, e vale colocar tudo no “micro-ondas”! Z. é a Europa pobre, agonizante, “sem coluna” (a dor impede de estar de pé!). Com ele estão: o cozinheiro Shayn, talvez o guardião das tradições, através de sua culinária, com a qual resiste e não faz concessões. A garçonete Lucia, luz, que representa a Arte: a pintura, a literatura e é livre. O irmão Ellyas, talvez o esperto, mas ingênuo e primitivo; eterna criança viciada, que não muda, apesar do amor recebido. A figura mítica do velho, o Sócrates, guardião do barco, dos valores ocidentais; como uma Arca de Noé, pode sempre ser fonte de um mundo novo. Voltando ao enredo: O Governo exige suas taxas, a qualquer custo. Seu amigo (?) de escola, hoje grande especulador imobiliário (Brenan Thurman?), monta um esquema para conseguir comprar o barracão, restaurante-memória de uma época, a preço de banana. E a Vigilância Sanitária dá o golpe fatal em Z.. A bancarrota parece ser o inevitável. Acredita que o que lhe cabe é ir até N., ou também, ir para uma aliança com os asiáticos. Mas, em boa hora, “salvo” pela morte da “Velha Avó Europa”, encontra N. que retorna para o enterro. E ele não embarca. No entanto, ao “pegar sua bagagem-vida, sua coluna quebra”! Quase a ponto de ser “operado”, a um custo que não pode pagar, sai do “hospital”; é socorrido por Anna e pelo curandeiro turco. E volta e insiste em fazer contato com N.-Velha Europa. Vai ao enterro. Cena desastrosa e cômica!
Quando Europa e China dão-se as mãos (N. e o chinês), o Grego avança e derruba até o caixão! A Europa-pobre pode “quebrar” a Europa-rica! Então, essa se curva e reconhece que não deveria ter feito o que fez com seus “irmãos pobres” – Nadine explica-se a Zinos e empresta-lhe sua riqueza; assim ele poderá afrontar e enfrentar a “gula” dos especuladores e comprar com dignidade o que lhe é de direito. Fantástico! E é o botão do casaco de Sócrates que tampa a garganta do “homem da Bolsa” que, impedido de falar, permite que Z. “bata o martelo” e recompre sua propriedade por apenas 0.15E a mais!
- há muito a dizer, mas não há mais espaço! rsrrs... acrescentem o que já lhes ocorreu! -
Maria Teresa Moreira Rodrigues
Psicanalista – Espiritualidade Inaciana
"Amor Pleno", novo filme de Terrence Malick, é um exemplo do que o místico espanhol do século 16 San Juan de la Cruz chamou de "noite escura da alma". Não é à toa que o padre (Javier Bardem) tem um discurso muito colado ao do místico espanhol. Ele é o personagem central da narrativa. Como sempre, sem teologia e filosofia, não se entende Terrence Malick.
Por consequência, o filme está próximo do texto bíblico "Cântico dos Cânticos", peça fundamental da literatura mística ocidental, influência marcante no místico espanhol: "Onde Te escondestes que não Te encontro, meu Deus?". No "Cânticos", o amor entre Deus e a humanidade é representado pelo amor entre um homem e uma mulher, suas agonias, prazeres e ausências. "A Noite Escura da Alma" é, como "Cânticos", um texto erótico.
"O amor de Cristo pela sua igreja é como o amor de um homem e uma mulher", diz Bardem. Eis a chave para entendermos o poema místico que é "Amor Pleno". No cristianismo, amor não é mero afeto, mas a ação que nos faz existir. Sem ele, a vida esvazia.
Nesta chave, o amor entre Ben Affleck e "suas" duas mulheres está também "sob" o véu da noite escura da alma, assim como está o amor do padre por Deus e o mundo. Ele é incapaz de amar, elas sofrem por isso.
O filme encerra com a imagem do Mont Saint-Michel, na França, local onde o casal vai no começo de seu amor. Esta abadia é símbolo da vida monástica medieval. Os filósofos vitorinos (Hugo e Ricardo da Abadia de São Vitor, século 12), em sua teoria sobre o amor, entendiam que o amor, posteriormente dito romântico, era da mesma substância do amor de Deus.
Assim como é difícil para nós mantermos o amor por Deus, é difícil sustentarmos o amor entre um homem e uma mulher. Nossa natureza "caída" não suporta o "peso" do amor. Este "peso" assume várias formas, entre elas, o compromisso com ele, principalmente no vazio que o cotidiano instaura em nosso coração e corpo sedentos.
Nossa natureza tende "para baixo", para o tédio e a insatisfação, como diz a mulher francesa no filme quando se refere às duas mulheres que existe nela: uma tende para o amor, para o alto, a outra para baixo, para a terra.
Não é à toa que ela, a francesa, após uma longa conversa com a amiga italiana, niilista e entediada, chega ao adultério, símbolo máximo do tédio e da degradação do amor. Quando nos distanciamos do amor, nos dissipamos num desejo que nos leva ao nada.
Mas, o que vem a ser esta "noite escura da alma"? Quando falamos de mística, pensamos normalmente em êxtase, em "gozo místico". Mas, a "noite escura" é o momento em que a alma, conhecedora de Deus, deixa de senti-lo no seu cotidiano, o que a leva à solidão, ao desespero e à dúvida. Uma verdadeira mística da agonia.
Neste momento, o padre lembra a máxima do Evangelho: "Você deve amar", portanto, o amor não é mero sentimento, mas sim uma ação, como é dito no filme. Agir com amor, mesmo que não sintamos o amor. Para ele, continuar cuidando dos doentes, para o casal, continuar a cuidar um do outro, porque longe do amor, somos todos doentes, umas criaturas da noite que vagam numa escuridão sem fim. No escuro, não é só o outro que desaparece, mas nós também.
O padre chega mesmo a lamentar o fato que, em seu ministério, ele deve "fingir" sentimentos que não tem, assim como um casal deve continuar a amar (esta é a condição do amor como "ação" e não mero sentimento) mesmo quando a paixão desaparece.
Quando nos sentimos longe do amor (de Deus), vemos nosso nada, isso deixa nossa alma inquieta, sedenta. Como é dito em "Árvore da Vida", filme anterior de Malick, a vida sem amor "flashes by", apenas passa. Esta é a chave para passarmos do "Árvore da Vida" ao "Amor Pleno". A responsabilidade dos que "amam menos", como diz o padre, se referindo a ele e a Ben Affleck, é maior, porque são eles que enxergam melhor o vazio no coração da vida.
Os ecos da "noite escura" atingem toda a existência, para além da teologia, adentrando a solidão nossa de cada dia. O drama maior não é não ser amado, mas ser incapaz de amar.
Luiz Felipe Pondé
(Publicado na Folha de São Paulo - 12.08.2013)
Filme: Amor Pleno
Diretor: Terrence Malick
Drama - Romance - 1h53 - EUA
Título Original: Pleasantville
Direção: GARY ROSS
Ano: 1999
Tempo de duração: 108’
Classificação: 14 anos
Categoria: Drama
Nacionalidade: EUA
Nos anos 90, David é um jovem solitário e infeliz. Vive com sua irmã Jennifer e sua mãe. Por não estar satisfeito com sua vida, foge da realidade assistindo avidamente ao programa de televisão "Pleasantville", um seriado em preto e branco dos anos 50 onde tudo parece “perfeito e ideal”. Mas tudo muda bruscamente quando Jennifer briga com ele pela posse do controle remoto de televisão. O que parecia mais uma briga de irmãos, quando, durante a briga, apertam o botão do controle, são magicamente transportados para dentro da fictícia "Pleasantville" e lá se tornam os irmãosBud e Mary Sue Parker, dois personagens da série.
Eles, de repente, se vêem em um mundo bucólico, todo em preto e branco, onde tudo parece dar certo e estar em seu devido lugar: sem perguntas, sem questionamentos, sem problemas, sem buscas, sem crises, sem frustrações, mas também sem identidade, sem individualidade, sem mistérios, sem emoção, sem descobertas, sem prazer... tudo muito determinado para acontecer como deveria.
Nesse novo mundo, David leva certa vantagem sobre sua irmã. Ele conhece como poucos a trama dos episódios do seriado, sabe quem são seus personagens, seus papéis e a importância que eles tinham na vida de Bud e Mary Sue. Nessa nova realidade eles se tornam os filhos de George Parker e Betty Parker, pais adoráveis em um lugar onde todos parecem felizes com o cotidiano de suas vidas. David e Jennifer querem sair dessa situação. Mas com uma diferença, ele tenta se enturmar (sem muito esforço, com o conhecimento que tinha de Pleasantville) e ela, como qualquer adolescente em busca de sua identidade, faz o que gosta de fazer, sem muito “grilo” ou responsabilidade na cabeça.
Um acontecimento estranho detona todo um processo de mudanças em Pleasantville: depois de uma vivência íntima, fora do “padrão de normalidade do cotidiano daquele lugar”, de um dos personagens do seriado com Jennifer, este é levado a uma “experiência nova”: ele percebe a cor vermelha em uma rosa. Em seguida outras regras são quebradas e novas cores vão surgindo, de modo que Pleasantville nunca mais será a mesma.
O filme tem o mérito de nos fazer pensar sobre qual o sentido que estamos dando às nossas vidas. Ele tem a arte e o poder de acordar em nós dimensões que não estamos acostumados a pensar: a tomada de consciência da nossa liberdade e responsabilidade, do nosso ser sujeito de nossos atos, de nossa própria história ou sobre o que tem dado cor, sabor e vivacidade aos nossos dias. Esta maravilhosa película recebeu 3 indicações ao Oscar.
Algumas questões para discussão em grupo sobre o filme:
-David vivia fechado no seu mundo, com medo de crescer, de enfrentar os desafios da vida, portanto de desenvolver a consciência de si e do mundo.
a)Faça um contraponto entre as características de David antes e depois da experiência em Pleasantville.
b)Faça um paralelo entre o contexto social e existencial de David com o dos jovens da atualidade, apontando convergências e divergências.
c)Jennifer procurava levar uma vida sem muito compromisso e responsabilidade. Descreva as principais mudanças ocorridas no comportamento dela no desenvolvimento do filme.
d)Em que sentido a falta de compromisso e responsabilidade interferem no desenvolvimento da consciência pessoal e social de um jovem? Justifique.
-No filme, as pessoas que “ousavam mudar” eram reprimidas pelos moradores de Pleasantville. Na sociedade atual:
a)Por que tantas pessoas têm dificuldade em lidar com o “novo”?
b)Por que reprimem as pessoas que ousam “ser diferentes”?
-No filme, Mary Sue se questionava porque as pessoas começavam a ver a realidade “colorida” enquanto ela continuava vendo tudo em preto e branco.
a)Quais as razões para isso?
b)Qual a importância do questionamento para o desenvolvimento da atitude crítica? Justifiquem.
-Aponte, pelo menos duas associações que podem ser feitas entre a “metáfora das cores” e a vida dos personagens no decorrer do filme.
Edward Neves M.B. Guimarães
Equipe do Centro Loyola
15.05.2013
Diretor -Monsieur Batignole
França
“Sempre podemos ser melhores”
Que gostoso poder sair de um filme com a sensação de que a esperança existe, as pessoas mudam e podem ser melhores!
Que gostoso confirmar que as crianças despertam o que há de melhor no ser humano! Que as crianças sempre são uma oportunidade de redenção, de mudança e crescimento!
Tudo se passa na França, durante a 2ª. guerra, focalizando famílias comuns, num período de ascensão do nazismo, perseguição de judeus; tudo se dá entre franceses oferecendo resistência e ajuda, tanto quanto aproveitando a oportunidade para denunciar e ganhar dinheiro.
No entanto, podemos sair deste tempo e lugar e ir para qualquer outra cidade, país e época. São crianças em situação de abandono e adultos trabalhando e buscando oportunidades para amar, criar, ser reconhecido, viver dignamente ou não.
Se olharmos bem, encontraremos cada uma das personagens à nossa volta, em nosso cotidiano:
- a dona de casa que fica exultante por poder morar melhor, ainda que sobre a desgraça do vizinho;
- a filha jovem que quer se divertir e aproveitar a vida;
- o jovem que quer ser escritor, mas, frustrado por não ter talento, acaba descontando sua frustração e ganhando tamanho e dinheiro ao denunciar pessoas;
- o militar que, protegido pela farda, sente-se grande e abusa de quem quer que seja: homem, mulher, criança;
- a mulher compradora da loja que não deixa de mostrar que sabe o mal que os donos estão fazendo a outras pessoas;
- a zeladora do prédio que acolhe as crianças que ficaram sem pais;
- a dona do sítio que ajuda os que passam buscando proteção e assim também diminui sua própria solidão;
- o padre que enfrenta o desafio de transpor o caminho com as crianças;
- as crianças que se solidarizam umas com as outras, mas criam também confusões e situações embaraçosas;
- o sr. Batignole, dono da venda, que ao tentar safar-se da situação difícil em que se meteu, vai descobrindo novas possibilidades, horizontes e valores.
Tomemos, então, como lições a observar:
É a AMIZADE que se estabelece entre a CRIANÇA e o IDOSO que traz libertação e ampliação de vida!
É o comportamento singelo e autêntico da criança que abre, no adulto, a chance de ser melhor!
Assim... sempre podemos ser melhores e ajudar-nos mutuamente!
Maria Teresa Moreira Rodrigues
psicanalista - Espiritualidade Inaciana - Campinas-SP
Itália – 2004 -(1h 46min)
Diretor: Ferzan Özpetek
Quando algo novo adentra nossa rotina, podemos olhar melhor para o que nos está acontecendo. Um velho sem memória e sem desejo interrompe a discussão estéril do casal, repetida dia após dia...
Quando nos abrimos para uma relação de ajuda, para acompanhar o próximo em seu mundo perdido e sem nome, podemos olhar melhor para o que nos rodeia e para a vida que vivemos. O velho observa o que acontece, dá sugestões, aponta o detalhe de uma água na mistura de um bolo, convida para dançar, não aceita um suéter pela cor, questiona o trabalhar sem vontade, mostra a qualidade do pai das crianças...
Quando se interrompe a seqüência do cotidiano; quando nosso olhar vai para além de nossas próprias questões costumeiras e comezinhas, podemos descobrir que estávamos perdendo a dimensão dos nossos desejos e do valor das relações próximas. Ela começa a levar em conta o que o velho diz, observa seu mundo e pergunta-se o que ele viveu e passou... começa a dar-se conta de que outras vidas têm sentido e são resultado de ideais e de amor a uma causa... como já lhe mostrava a vida de sua própria vizinha...
Infeliz é a relação no casamento? Pode até ser, mas... Ou infeliz é a relação que se estabeleceu consigo mesmo? Por força da rotina, dos temores e da maquinal execução de tarefas diárias, pode-se acabar acreditando que é “o outro” que nos atrapalha e inferniza a vida.
Infeliz é o trabalho repetitivo? Pode até ser, mas... Ou infeliz é não ter corrido o risco de buscar o sonho, insistir nele e acreditar em si mesmo?
Foi porque o marido acolheu o velho perdido;
Foi porque ela passou a observar o que se passava com o velho;
Foi porque as crianças mostraram aceitação e aproximação do desconhecido;
Foi porque o vizinho achegou-se a ela através do velho...
Foi por tudo isto que as modificações foram acontecendo... Mas, foi sobretudo porque todos se emocionaram com a vida que se passa e vai além das aparências, mostrando a existência de emoções e sentimentos que moldaram a luta por um ideal, a luta por um amor, a busca do sonho e do direito de escolha do amor, qualquer que seja ele. Quando ela e o vizinho se envolvem para decifrar a vida que o velho vivera...
Quando o velho pôde ser visto e reconhecido em sua própria história, pode brindar a todos com seu bem maior: o dom da mão que dá sabor e forma ao alimento. E ofertou ao outro o melhor de si, por ter recebido a oportunidade de ser quem era e é! E a gratidão se mostrou no alimento para o corpo e para a alma, já que a estimulou a buscar seu sonho e vocação!
Olhar o vizinho e interessar-se por ele era acreditar que o melhor se passava fora dela e de sua vida. Ao descobrir-se observada também por ele, pode olhar sua vida a partir do olhar dele... descobrir-se!
A vida não se passa na “janela da frente”, mas dentro de nós mesmos! E o AMOR sempre em nós permanece, como marca indelével!
Maria Tereza Moreira Rodrigues
Direção: KIM KI-DUK
Coréia do Sul/Japão – 2004
90 min.
Fui dormir sobre as emanações que este filme produzia em mim. Acordei com ele conversando comigo; era imperativo escrever as ideias que me invadiam:
- Há sempre uma casa vazia, ou seja, um lugar, uma situação, uma pessoa, um projeto que pode ser penetrado, conhecido, cuidado. E em cada uma destas casas temos um espaço que é nosso, que em nós está registrado; com ele podemos compartilhar, assim como dele partilhar. É um espaço que, como um retrato, ficou gravado dentro de nós. É nossa experiência que se acumulou, e se faz presente na próxima parada do caminhar, na próxima casa, no próximo encontro.
- Cada casa é um pedaço de nós mesmos que se constrói, reconstrói e se realoca para outros planos, possibilidades, e em nova amplitude e configuração.
- Em cada casa há um novo ritual, um congraçamento diverso, e uma descoberta que se abre.
- Em cada casa sentimentos diferentes são despertados: a mansidão, a espera, a aceitação. A raiva e a agressão também podem aparecer, mas serão aplacadas e embarcadas em direção a outro horizonte e a outra razão de ser e estar nas relações.
- Em algum momento, entre uma casa e outra, também nos defrontamos com nossos enganos e ações destruidoras: de outrem, de nós mesmos, do que esperávamos estar sendo e fazendo. Na verdade, defrontamo-nos com nossos desencontros e intempestividades.
- Até que, em alguma casa, nos vemos frente a frente com a própria morte! Mas, não estaremos sós! Algo que nos é fiel estará ao nosso lado, e nos fará companhia até que o ritual de passagem se complete e a ele nos entreguemos. Descobrimos que o como lidamos com a morte alheia assemelha-se ao nosso trato com nossas "pequenas mortes" de cada dia. E descobrimos quão necessário é sempre o cuidado, o respeito e a dedicação a cada detalhe do cotidiano.
- E aprendemos também que, ainda que não sejamos compreendidos, é necessário persistir, pois no silêncio de nossa consciência e mesmo inconsciência, os fatos e sentimentos falarão mais alto e dirão de nós, mostrando-nos mais do que nossa própria fala revela. E isso que somos é que permanecerá.
- E ainda que nos aprisionem, nossa alma seguirá buscando espaço de expressão. O riso nunca será de escárnio ou de ironia. Será apenas o riso que se esboça na contração dos lábios; sorriso que deixa entrever a existência da vida e da liberdade que persiste e persistirá dentro de nós, sempre e a qualquer tempo, graças a uma dimensão de VIDA que se faz maior em nós mesmos.
- Ainda que a corrupção e a incompreensão nos rodeiem, PERSISTIR é o lema...
- A VERDADE é soberana! E sobreviverá sempre a VERDADE do AMOR e da ENTREGA.
- Sobreviverá a ALEGRIA de ver-nos na luta infinda pela liberdade de SER; a ALEGRIA da resistência para manter a lealdade e a fidelidade a nós mesmos, no mais profundo de nossa necessidade que é o AMOR. O AMOR que sempre e irresistivelmente nos remete ao OUTRO, ao ENCONTRO, à DOAÇÃO e à ENTREGA.
- Sobreviverá a ALEGRIA do "SENTIR E SABOREAR AS COISAS INTERNAMENTE".
- E tudo culminará com a REFEIÇÃO compartilhada e com os CORPOS enlaçados, numa experiência lúdica de TERNURA e ESPERANÇA.
Maria Teresa Moreira Rodrigues
Mora em Campinas, é psicanalista e é da espiritualidade inaciana
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