EU TE ODEIO, FRANCISCO.
Odeio-te, Francisco, porque não foste um Papa, foste um escândalo.
Porque quando todos esperavam um monarca, você apareceu com cheiro de rua e de evangelho.
Eu te odeio porque você desceu do trono de Pedro e subiu no bondi conosco.
Odeio-te porque não quiseste viver num palácio.
Porque você escolheu um pezinho pequeno na Casa Santa Marta, como se a humildade fosse a única coroa que lhe interessava.
Eu te odeio porque você comia com os funcionários e não com os príncipes da Igreja.
Porque você abriu os portões do Vaticano e deixou entrar a lama da humanidade.
Odeio-te porque te chamaste Francisco, como o louco de Assis.
E os loucos, Francisco, desarrumam a nossa alma.
Fazem-nos ver que o amor não é confortável, nem diplomata, nem quente.
Eu te odeio porque você não falou como um papa, você falou como um avô sábio que acaricia com as palavras e sacode com o exemplo.
Odeio-te porque antes foste o Jorge.
Aquele padre do metro, do mate compartilhado, dos pés lavados nas villas.
Eu te odeio porque você não se importava de gostar do poder, você se importava que o pobre não caísse do mundo.
Odeio você porque prendeu centenas de pedófilos e expulsou cardeais corruptos, sem medo, sem cálculo.
Eu te odeio porque você se encorajou a limpar a casa por dentro, e isso dói.
Eu te odeio porque você disse o que ninguém queria dizer.
Odeio-te porque não vieste para a Argentina.
Porque nos deixaste com vontade.
Porque você nos obrigou a amar você à distância, como ama aqueles que doem.
Odeio-te porque és peronista.
E odeio-te mais porque nunca pediste desculpa por isso.
Porque a sua política era o Evangelho, e isso é que incomoda.
Odeio-te porque nos pediste para cuidar dos velhos e das crianças.
Porque você nos fez olhar de lado quando preferíamos olhar para cima.
Odeio-te porque nos tiraste do conforto das paróquias e nos empurraste a sair, a nos sujar, a ir ao encontro.
Eu te odeio porque você deu valor aos pequenos gestos.
Àquele “bom dia” ao porteiro, ao “desculpa” em casa, ao abraço que chega antes do julgamento.
Odeio-te porque nos convidaste a sonhar sempre, e isso é perigoso.
Porque quem sonha não se conforma.
Odeio-te porque fizeste da misericórdia a tua bandeira.
Porque você abriu as portas do Jubileu e nos disse que o perdão é um direito divino, não um prêmio dos bons.
Eu te odeio porque você abraçou os presos, lavou os pés deles e disse que ninguém está perdido para sempre.
Odeio-te porque em Lampedusa choraste pelos migrantes mortos no mar.
Porque você jogou flores na água como quem pede perdão por tudo o que não fizemos.
Eu te odeio porque você disse que o Mediterrâneo virou um cemitério, e isso nos doeu.
Eu te odeio porque você nunca desistiu.
Porque com 88 anos de cadeira de rodas, você continuava viajando, falando, amando, denunciando.
Eu te odeio porque você fez mais com um pulmão só que muitos com o corpo inteiro.
Odeio-te porque nomeaste cardeais das margens: dos bairros, da África, da Ásia, da periferia.
Porque você nos disse de novo que o centro fica nas margens.
E odeio-te porque viraste o mapa para nós.
Odeio você porque arregaçou as mangas no Synod e ouviu mais do que falou.
Porque você não teve medo de abrir debates, nem que a Igreja se pareça com o povo de Deus, com suas dúvidas, suas buscas, suas feridas.
Eu te odeio porque você foi a lugares onde ninguém ia.
Porque você foi o primeiro Papa a pisar o Iraque.
Porque nas Filipinas você reuniu a maior multidão da história, e não foi por você, foi pela esperança que você carregou.
Odeio-te porque falaste no Capitólio dos EUA e lembraste-lhes que os imigrantes também têm rosto e nome.
Porque na ONU você não falou de geopolítica, falou de humanidade.
Porque quando você dizia "não à guerra", eu sentia que você estava falando comigo, não com os líderes, mas com o cara comum que já se tinha resignado.
Odeio-te, Francisco, porque me fizeste acreditar de novo que a Igreja pode parecer-se com Jesus.
Porque você nos mostrou que o poder, se não serve, não serve para nada.
Porque você nos deixou uma igreja com cheiro de evangelho, não de naftalina.
Odeio-te porque sorrias com os olhos.
E isso desarma qualquer um.
Porque no meio da lama,
no meio de tanta miséria e tanto medo,
Você achava ternura.
E isso... isso também salva.
Odeio-te, Francisco.
Porque abraçaste os gays.
à comunidade LGTB,
aqueles que sempre foram deixados de lado.
Porque quando todos lhes viravam as costas,
Você abriu os braços.
E você não perguntou como eles viviam.
Perguntou se eles sabiam que eram amados por Deus.
Odeio-te, Francisco...
porque você se fez amar com uma força brutal, daquelas que você não esquece.
Porque você nos mostrou que o amor verdadeiro incomoda, desinstala, exige.
Eu te odeio porque sua morte não é ausência, é desafio.
Odeio você porque agora você se tornou semente.
E as sementes, Francisco, já sabemos o que fazem:
se enterram, doem, desaparecem...
E depois rebentam em vida.
Agora odeio-te, Francisco.
porque eu não posso mais olhar o mundo sem me perguntar
O que você faria se estivesse aqui?
E o pior, Francisco...
é que você me deixou com a resposta.
Chili Obando